Sistema Constitucional Angolano - Indice Juridico

Autores: Balctor de Mendonça, Ernesto Sito, Jusimaira Bastos e Silvina Cinco-Reis

Suporte acadêmico: Faculdade de Direito da Universidade Mandume Ya Ndemufayo

RESUMO

A história do Estado constitucional em Angola remonta, como já ficou referido, ao ano de 1975, com a proclamação da independência nacional. Esta data constitui a origem do constitucionalismo angolano; e forma o ponto de partida para caracterizar o período precedente, ou pré-constitucional; e classificar a fase posterior ou período constitucional.

Pelo facto de ter sido durante mais de 400 anos uma colónia, o sistema constitucional Angolano é composto por um conjunto de preceitos e estrutura provindos do Sistema colonial Português. A partir de 1975, o sistema constitucional português desliga-se do sistema constitucional Angolano, embora continue ainda, por um longo tempo e até aos dias de hoje, a servir de base para a estrutura do Ordenamento Jurídico Angolano

Com a independência do país, Angola entrava definitivamente no seu período constitucional como Estado soberano.

No tocante a Constituição de Angola, tem uma estrutura que contém uma unidade textual que é suporte da sua unidade normativa, sendo assim uma Constituição unitextual.

O processo para a elaboração da Constituição de Angola de 2010 demonstrou ser um procedimento diferente e mais solene do que qualquer outro procedimento, normalmente, usado para os actos legislativos ordinários. Só isto é sinal de que se tratou de uma Lei superior de carácter programático de toda actividade político-jurídica do Estado, como é a natureza da Constituição escrita.

O Sistema Constitucional Angolano sofreu muitas transformações que moldaram a sua estrutura, definiram os seus preceitos e os seus princípios. É um sistema cuja estrutura obedece a lei magna estadual, a Constituição Angolana de 2010

INTRODUÇÃO

O advento dos acontecimentos políticos de finais dos anos 50 do séc. XX, em África proporcionou um conjunto de acções revolucionárias em todo o continente. A ascensão de muitos territórios colonizados às independências nacionais afigurou-se como prelúdio de luta pela independência do nosso país, contra a jurisdição colonial portuguesa, desde os anos 60. A história do Estado constitucional em Angola remonta, como já ficou referido, ao ano de 1975, com a proclamação da independência nacional. Esta data constitui a origem do constitucionalismo angolano; e forma o ponto de partida para caracterizar o período precedente, ou pré-constitucional; e classificar a fase posterior ou período constitucional.

Objectivo geral: fazer uma abordagem sobre o constitucionalismo angolano.

Objectivos específicos: 

  • Apresentar de forma sistemática os diferentes períodos de evolução do sistema constitucional angolano.
  • Apresentar uma fundamentação pragmática concernente a estrutura da actual Constituição angolana.

Palavras-chave: Angola,Constituição, Sistema Constitucional.

Capítulo 1: Contexto Histórico Do Sistema Constitucional Angolano Antes Da Independência

Pelo facto de ter sido durante mais de 400 anos uma colónia, o sistema constitucional Angolano é composto por um conjunto de preceitos e estrutura provindos do Sistema colonial Português. Recebeu também um pouco da estrutura de outros sistemas constitucionais estrangeiros em função da sua inexperiência jurídica, uma vez que, é um país independente há bem pouco tempo.

Para que se entenda como o sistema constitucional Angolano, chegou a ser o que é hoje, precisamos ter em atenção um conjunto de mudanças e períodos a que esteve sujeito, sobretudo enquanto esteve sobre a tutela da República Portuguesa, tornando a história do sistema constitucional português objecto de estudo relevante para este tema.

1.1 A História do Sistema Constitucional de Portugal enquanto Potência Colonizadora

Jorge Miranda, no seu Manual de Direito Constitucional Tomo I, frisa que faz falta uma obra de fundo sobre a história constitucional portuguesa, no entanto, considera como núcleo dessa história a passagem de um Estado Absoluto para um Estado Constitucional, englobando cerca de 6 constituições que espelham todas as transformações observadas pelos diversos períodos que esse sistema vivenciou, representando cada uma delas (com excepção de uma), uma melhoria nesse sistema e uma evolução no contexto jurídico.

Como não poderia deixar de ser, assim como em diversas partes do mundo, e em diversos sistemas constitucionais, existe uma relação constante entre a história política e história constitucional portuguesa, e em função dessa relação, a história do sistema constitucional português foi dividido em 3 períodos principais:

  • O primeiro é denominado de Época Liberal, e vai de 1820 à 1926, durante este período foram conhecidas quatro constituições respectivamente em: 1822, 1826, 1838 e 1911.
  • O segundo é denominado o período do Estado Novo, e vai de 1926 à 1974, período este conhecido pela vigência do regime salazarista e que conheceu apenas uma constituição, a de 1933.
  • O terceiro período é também conhecido como época actual, que inicia com a Revolução Portuguesa de 1974 e dura até os dias de hoje, representado pela Constituição de 1976, uma constituição mais recente, que demonstra a rica experiência jurídica e política que o país adquiriu e um avanço no que concerne aos Direitos Humanos. Esse período marca também o nascer de um novo paradigma no Sistema Constitucional Angolano e o início da história de Angola enquanto Estado Independente.

1.2 Períodos da História constitucional Portuguesa

1.2.1 Época Liberal

Feita a abordagem básica sobre a periodização da história constitucional portuguesa, resta explicar como cada uma delas surgiu, como estava caracterizada e como contribuiu para a evolução desse sistema.

Como já foi acima mencionado, essa época vai de 1820 à 1926, e compreende a passagem de um Estado Absoluto a um Estado constitucional.

Começa com a instauração do Liberalismo (1820-1851), e é caracterizado, numa primeira fase, pelo conflito entre absolutistas e liberais, depois entre vintistas e cartistas, e mais tarde pelo clima de guerra civil e pela feitura e substituição de 3 constituições.

O conflito entre Absolutistas e Liberais surge numa altura em que se opunham os grupos que defendiam o estado Absoluto com a concentração de poderes nas mãos do Monarca (nobres), e os grupos que defendiam o Liberalismo Político, com a inclusão dos grupos marginalizados (plebeus).

Esse período marca a criação da primeira constituição em 1822, e teve na sua origem o sentimento revolucionário que estava a desenvolver-se no país, sobretudo pela inspiração que transmitia o então criado Sistema Constitucional Francês. Essa constituição consagrou os direitos e deveres dos cidadãos portugueses, considerava como elementos da Nação: o território, a religião, o Executivo e a Dinastia. A soberania residia essencialmente na Nação e era exercida pelos representantes legalmente eleitos, estando repartida por três poderes do Estado: executivo, legislativo e judicial, cabendo ao Rei, às Cortes e aos tribunais respectivamente.

Mais tarde, o conflito passou a ser entre os vintistas (liberais radicais) que apoiavam a Constituição, e os cartistas (partidários da Carta Constitucional) que apoiavam a criação de uma Carta Constitucional em substituição da Constituição de 1822.

Na Carta, estavam consagrados os princípios monárquicos e representativos. Essa carta também alarga os poderes do Rei, mas transfere o poder de revisão da Constituição às Cortes.

A carta foi uma obra pessoal de D. Pedro IV que a redigiu no Brasil, pouco antes de abdicar da coroa Portuguesa, e tem por fonte a Constituição Brasileira. A mesma, confere menor relevo aos direitos fundamentais, mas não deixa de estabelecer um equilíbrio entre liberdades e garantias; estabelece ainda como poderes do Estado o legislativo, o executivo e o judicial, cabendo às duas Câmaras (dos Deputados e dos Pares), ao Rei e aos tribunais respectivamente. Um novo poder também surgiu e serviu para prestigiar o rei, possibilitando a sua intervenção no domínio judicial (amnistias e indultos) e legislativo, o poder moderador.

Essa carta teve na sua aplicação três vigências:

  • de 1826 a 1828;
  • de 1834 a 1836;
  • de 1842 a 1851 (Vide Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional Tomo I, páginas 238-239).

Surge mais tarde, a Constituição de 1838, resultado do Acordo entre as Cortes e o Monarca, e é considerado um dos textos constitucionais mais aperfeiçoados, técnica e literariamente. Essa constituição tinha como fontes as constituições Francesa (1830), Belga (1831), Brasileira (1837) e Espanhola (1837). Representa a assimilação das constituições de 1822 e 1826. Essa constituição, repete a soberania nacional, o sufrágio directo, elimina o poder moderador, institui a Câmara dos Senadores e aumenta os poderes do Rei.

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A constituição de 1838 torna a consagrar, com maior relevo e importância, os direitos fundamentais, alarga o equilíbrio entre as liberdades e garantias, e estabelece novos direitos como a liberdade de associação, liberdade de reunião, direito de resistência e liberdade de imprensa. Voltam a ser estabelecidos apenas três poderes do Estado, o legislativo cabendo às duas Câmaras, o executivo cabendo ao Rei e o judicial cabendo aos tribunais. Essa constituição vigorou até 1842, sendo substituída pela terceira vigência da Carta Constitucional.

A época liberal foi marcada por muitos outros acontecimentos, que são irrelevantes para o estudo do nosso tema, mas que não deixam de ser importantes, e que conduziram a instauração da Primeira República entre 1910 e 1926, marcada pela criação da Constituição de 1911.

1.2.2 Época do Estado Novo

Esse período que vai de 1926 à 1974, é marcado pela instituição e decadência do regime ditatorial extremista de António de Oliveira Salazar (Regime Salazarista), e pelo início e fim das lutas de libertação colonial, e concessão da independência em diversas colónias ainda detidas por Portugal, nomeadamente Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Moçambique.

Nesse período, é aprovada a Constituição de 1933, que a semelhança das anteriores, incluía os territórios portugueses de África e da Ásia, como território nacional (colónias).

Ao contrário das anteriores (1822 e 1838), essa Constituição não admitia a possibilidade de separação ou cessão de qualquer desses territórios, sobretudo pelo que se sucedeu com a Alemanha enquanto perdedora da I Guerra Mundial, e pela necessidade que o país vivenciava em pleno clima pós-crise económica de 1929, constituindo esses territórios fontes de renda indispensáveis.

Verifica-se uma maior valorização dos Direitos Fundamentais, sobretudo depois das revisões de 1945 e 1951.

Essa Constituição designa como órgãos de soberania o Chefe de Estado, Assembleia Nacional, Executivo e os Tribunais, sendo a designação de “Poderes de Estado” substituída por “Órgãos de Soberania”.

O Chefe de Estado é o Presidente da República, sendo eleito por sufrágio directo e pelo prazo de sete anos.

A Assembleia Nacional tem 90 deputados, eleitos por sufrágio directo por quatro anos, e exercia a função legislativa.

O Governo (Executivo), formado pelo Presidente do Conselho e pelos Ministros, sendo o Presidente do Conselho nomeado e demitido pelo Presidente da República. Exercia a função governativa.

Os tribunais, criando uma divisão da função judicial em diversos tribunais comuns e especializados que vinham desde as constituições anteriores.

O período de Estado Novo termina com a Revolução dos Cravos a 25 de Abril de 1974, com a queda do regime “Salazarista” liderado por Marcelo Caetano, e com o fim do regime ditatorial.

1.2.3 Estado actual

Com a Revolução de 1974, o sistema constitucional português vê-se, como nunca antes, fragilizado, de tal forma que com as sucessivas reformas ocorridas entre 1974-1975, surge a necessidade de se elaborar mais uma Constituição (Constituição de 1976) que agora mais rica e com maior experiência constitucional, é até hoje instrumento de orientação política da República e não só.

A partir de 1975, o sistema constitucional português desliga-se do sistema constitucional Angolano, embora continue ainda, por um longo tempo e até aos dias de hoje, a servir de base para a estrutura do Ordenamento Jurídico Angolano.

A partir deste ponto, a até então “República Popular de Angola”, começa a experienciar um novo paradigma político, e o sistema constitucional Angolano, começa a ser construído, passando por diversos períodos que foram moldando o Sistema Constitucional Actual.

1.3 Estatuto dos angolanos indígenas no sistema constitucional português

O estatuto de “assimilados” caracterizava os angolanos “indígenas” que ascendiam a uma categoria social que os permitia gozar parcialmente do exercício de alguns direitos basicamente sociais e algumas funções na administração pública. Neste sentido, «ao indígena não era aplicado nem o direito público nem o direito privado». No mesmo sentido ainda, como estava disposto no Estatuto dos Indígenas de 1954, “todos os indivíduos de raça negra ou delas descendentes são considerados indígenas porque não havia possibilidade de integração no grupo colonizador. Um homem só deixava de ser considerado indígena desde que lhe fosse concedida a cidadania (artigo 61.º) por acto do Governador. Tal cidadania podia ser concedida «aos indivíduos que houvessem prestado serviços distintos ou relevantes à Pátria».

No plano dos direitos fundamentais, a restrição destes aos angolanos resultava em maior benefício da população branca, mas notória no facto de por lei «aos indígenas não serem reconhecidos direitos políticos em relação às instituições oficiais».

Capítulo 2: Período Constitucional de Angola Depois da Independência

Com a independência do país, Angola entrava definitivamente no seu período constitucional como Estado soberano. «Surgia a primeira Constituição de uma Angola independente e iniciava-se uma guerra entre angolanos com uma componente estrangeira considerável».

Este Estado constitucional em formação, e com todas as vicissitudes políticas que enfrentou resultantes do ambiente político em que se proclamou a independência, não seguiu a constitucionalização normal e gradual das instituições do poder político, pelo que a Lei Constitucional adoptada orientava programaticamente, e com carácter também transitório, a vida social, cultural e histórica dos angolanos.

Assim, em 1975, houve a adopção de uma Lei Constitucional com características de flexibilidade, para garantir a orientação política do Estado angolano nascente.

 2.1 O primeiro período constitucional e a 1ª República

De acordo com Bacelar Gouveia, o período constitucional de Angola que se abre com a Independência, em 1975, evoluiu em três fases, a saber: o 1º período, correspondente à 1ª República com a Constituição de 1975; o 2º período, correspondente à 2ª República com a Lei Constitucional de 1992; e um 3º período como continuação da 2ª República, nascendo com a Constituição de 2010.

2.2 Poder constituinte e a Lei Constitucional de 1975

O poder constituinte estabeleceu-se, no seu primeiro exercício, na definição e assentamento de poderes do novo Estado, no Ordenamento jurídico-político angolano. Na Lei Constitucional de 1975, definia-se o princípio republicano de Estado soberano, independente e democrático (democracia interna) para o exercício do poder constituinte formal (artigo 3.º da Constituição da República da Angola), sendo que já o artigo 2.º definia o povo angolano titular da Soberania. O povo angolano estava revestido de poder supremo e omnipotente para decidir sobre os seus destinos através do MPLA-PT, a quem cabia a orientação política no âmbito da revolução.

A caracterização da Primeira Lei Constitucional demonstra que, num sistema das famílias constitucionais, os princípios nela constantes «evidenciavam o seu contraste com as constituições do tipo ocidental. Com efeito, a afirmação do papel dirigente do MPLA; a afirmação de Angola como República Democrática Popular, o âmbito e funções da propriedade do Estado e do sector público da economia, só por si manifestam o carácter da Lei Constitucional de 1975 radicalmente oposto ao das constituições dos países ocidentais na altura e dos demais Estados africanos, na generalidade».

Esta Constituição pioneira, de um Estado jovem, tem os seus princípios estruturantes baseados no discurso da proclamação da independência, proferido pelo Presidente Agostinho Neto. A Constituição monstra clara preocupação pela defesa da soberania nacional, pela consolidação de acções de libertação total do País das sequelas do colonialismo, da dominação e agressão das forças invasoras do território nacional.

Como se pode ver, não há ainda uma preocupação, de forma expressa, pelas questões sociais, de uma ideia do Estado social democrático, mas afirma-se um Estado dirigente de todos os meios de desenvolvimento económico que procura implantar o sistema socialista de produção.

É também o período da formação das instituições governativas do poder político dirigente do Estado, confrontado com inúmeras vicissitudes num momento em que aos factores políticos internos de defesa do interesse nacional se juntaram os externos, tão complexos, que exigem mais respostas por actos políticos do que jurídicos.

Neste clima, algumas conquistas no campo político e jurídico foram sendo dadas em virtude das linhas traçadas pelo Partido dirigente que se socorre do uso pleno dos seus direitos de soberania: o reforço das alianças externas de cooperação igualitária com os Estados socialistas, nomeadamente, Cuba e União Soviética, no plano da defesa e de assistência técnica a quadros angolanos, dentro das políticas da construção do Estado e das instituições políticas nacionais.

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2.2.1. As revisões à Lei Constitucional de 1975

Com a proclamação do Estado soberano cuja direcção política cabia ao MPLA, seu legítimo representante, tendo este o domínio de todos os órgãos do Estado, era também revestido de poder e legitimidade para proceder à revisão constitucional, através do Comité Central do Partido.

A rapidez com que as alterações eram feitas evidencia a não existência de limites temporários ao processo de revisão constitucional de então, obedecendo tal mecanismo às circunstâncias políticas do país.

A primeira revisão à Lei Constitucional de 1975 acontece ao abrigo da Lei de Revisão n.º 71/76 de 11 de Novembro. Esta alteração incidiu sobre dois aspectos fundamentais; o reforço dos poderes do Presidente da República e o reforço do papel dirigente do MPLA.

A segunda revisão acontece em menos de um ano. A Lei n.º 13/77 de 7 de Agosto, mais uma vez, introduziu novo reforço dos poderes do Presidente da República. Segundo o artigo 32.º, o Presidente da República tinha competência para nomear, dar posse e exonerar o Primeiro-Ministro e demais membros do Governo. Quer isto dizer que ao Presidente da República era reconhecido um papel interventivo maior no aparelho governativo que, como acontece em sistemas semi-presidenciais, aquele não era simples moderador.

A terceira revisão constitucional acontece em Fevereiro de 1978. Esta revisão de carácter mais profundo, consagrou princípios importantes do ponto de vista de estrutura governativa e partidária.

A quarta revisão dá-se ao abrigo da Lei n.º 1/79, destacando-se, nesta nova revisão, a extinção dos cargos de Primeiro-Ministro, porém, sem supressão dos artigos relativos a esses cargos.

2.2.2. Revisão Constitucional de 1980

Trata-se da quarta revisão da Lei Constitucional, introduzida de forma mais profunda em relação a todas revisões feitas desde 1975. Esta alteração feita em Setembro de 1980, por Resolução do Comité Central do MPLA, resultou na alteração do Título III da Lei Constitucional, cujo objectivo foi a criação dos órgãos do «Poder Popular», da Assembleia do Povo a das Assembleias Populares locais.

Criou-se, desta forma uma estrutura político-jurídica que lançaria as bases da organização de um poder de Estado Democrático e Popular, com vista à construção de uma sociedade socialista.

No segmento da consolidação da administração do Estado, processo aberto pela revisão de 1980, ao abrigo da Lei n.º 1/86, aprovada pela Assembleia do Povo; e pela Lei n.º 2/87 de 31 de Janeiro, igualmente aprovada pela referida Assembleia, tendo introduzido algumas mudanças no plano do Governo e da administração.

2.3 A Lei Constitucional de 1991

Em primeiro lugar, assinala-se que o Estado angolano mudou de filosofia e de regime político, traduzindo-se na mudança da Lei Constitucional, de forma profunda. Em rigor, as alterações feitas à Lei Constitucional de 1991 tiveram, como pano de fundo a mudança do regime e ideologia política do Governo que o Estado vinha seguindo desde a independência.

Trata-se de uma configuração quase total da organização do Estado quer mediante a implementação dos Acordos de Paz assinados em 31 de Maio de 1991, quer no ramo da transição política do regime monopartidário para o multipartidarismo. Como isto, também a nível social registam-se profundas mudanças. Aparecem e multiplicam-se as organizações da sociedade civil.

A Lei de revisão Constitucional de 1991 definia o seguinte: «os principais objectivos da presente revisão visam fundamentalmente, por um lado, consagrar o pluripartidarismo e a despartidarização das Forças Armadas e, por outro, dar dignidade constitucional às importantes transformações que têm vindo a ser introduzidas nas áreas económicas».

A Lei fundamental mostrava-se inequívoca quanto à consagração da democracia formal, deixando para atrás a democracia interna que vigorou em 1975. Em 1992, o pluralismo político permite o “debate aberto” e divergências político-partidárias são demonstradas (e tornam-se visíveis de facto) em campanhas eleitorais que tomam espaço com vista às eleições de 29 e 30 de Setembro do mesmo ano.

Começam a ensaiar-se as primeiras acções mediáticas em “espaço público” que tentam trazer questões sociais e de natureza política aos debates abertos e públicos. Neste mesmo período, os partidos políticos criados e concorrentes ás eleições em vista são legalizadas pelo Tribunal Supremo em cerca de 100, o que para uma democracia em criação revela-se muito pouco eficaz. Muitos desses partidos mostram-se preocupados em ganhar terreno na militância e conquistar espaço no jogo político, mas com pouca agilidade na comunicação política, no sentido de dar a conhecer ao país o seu projecto político e ideológico.

A luta pelo poder passa a ser o objectivo dos grandes partidos e, frequentemente, o confronto pelo uso da força, intimidação e violência dominam e, aos poucos vão minando o processo eleitoral nas cidades.

Se tivéssemos que resumir esta fase constitucional que Angola atravessa com a Constituição de 1992, diríamos que ela é mais de sobrevivência e transição política da Constituição do que propriamente, de consolidação do sistema político.

2.4 A Lei Constitucional de 1992

A Lei Constitucional de 1992 definia, no âmbito do sistema eleitoral, que os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade dos cidadãos, participantes na vida política e na expressão do sufrágio universal, por meio democrático e pacífico. A Constituição consagrava, assim, o direito eleitoral extensivo aos cidadãos (por sufrágio universal) e dava passo importante para a consolidação do direito dos partidos políticos e a livre criação destes «em torno de um projecto de sociedade e programa político».

Acontecia, pela primeira vez em Angola, as eleições presidenciais e legislativas realizadas nos dias 29 e 30 de Setembro do mesmo ano, o primeiro exercício da soberania do povo (artigo 3.º da Lei Constitucional de 1992), como expressão da vontade popular para a designação dos titulares do poder político.

Nas eleições presidenciais os resultados foram os seguintes: 49% para José Eduardo dos Santos (o então presidente do MPLA), 41% para Jonas Malheiro Savimbi (o então presidente da UNITA) e 10% para os demais candidatos.

No tocante às eleições legislativas, registou-se a vitória por maioria absoluta do MPLA (54% dos votos), enquanto o maior partido da oposição a UNITA obteve 34% dos votos.

O retorno do conflito pós-eleitoral causou um grande retrocesso ao processo de democratização e do ponto de vista constitucional houve uma estagnação. Esta situação levou ao prolongamento das funções da Assembleia e do Governo eleitos em 1992 até à normalização da situação política que tornou possível novas eleições gerais a 5 de Setembro de 2008.

2.5 A Lei Constitucional de 1992 e o Governo de Unidade e Reconstrução Nacional (GURN)

Politicamente, o mais importante acto de concertação foi o Protocolo de Lusaka, assinado a 20 de Novembro de 1994, na Zâmbia, entre as designações do MPLA e da UNITA. Ao abrigo deste acordo para a paz e reconciliação nacional instituiu-se um Governo de Unidade e Reconstrução Nacional (GURN), que tomou posse logo a seguir à assinatura do acordo.

O GURN, como o próprio nome indica, aparecia como tentativa de alcançar “a reconciliação nacional” e, por isso, tinha todas as características de um governo de coligação, em que dois partidos acordam partilhar o poder em condições acordadas entre ambos para implementar a reconciliação e a unidade nacional.

Deve assinalar-se que à luz da Lei Constitucional de 1992, a criação do GURN não contraria o espírito constitucional, pois a sua composição foi vista como meio para ultrapassar o novo conflito armado que contrariava a ordem constitucional instaurada pela Constituição; ao contrário, um Governo de coligação surgia como necessidade de garantir uma maioria parlamentar, quando esta não existe como resultado do voto popular, para servir de suporte à estabilidade governativa.

Capítulo 3- Actual Sistema Constitucional de Angola

3.1 A Constituição da República de Angola de 2010

Primeiramente «há que sublinhar que a Constituição é um todo sistemático e orgânico». No tocante à Constituição escrita, como é a Constituição de Angola, tem uma estrutura que contém uma unidade textual que é suporte da sua unidade normativa, sendo assim uma Constituição unitextual.

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O processo para a elaboração da Constituição de Angola de 2010 demonstrou ser um procedimento diferente e mais solene do que qualquer outro procedimento, normalmente, usado para os actos legislativos ordinários. Só isto é sinal de que se tratou de uma Lei superior de carácter programático de toda actividade político-jurídica do Estado, como é a natureza da Constituição escrita.

O primeiro passo foi a apresentação de propostas de anteprojecto à Assembleia Nacional pelos partidos políticos com assento parlamentar (cinco propostas). Os anteprojectos foram entregues a uma Comissão Constitucional, composta por 45 Deputados seleccionados de todos os partidos representados na Assembleia Nacional, encarregue de elaborar a Constituição através da fusão das propostas dos partidos. Dessa fusão, resultaram três projectos (A, B e C). Cada um destes projectos constitucionais consagrava um sistema político.

O projecto A consagrava o sistema de governo presidencialista; o projecto B previa o sistema semipresidencialista; e, finalmente, o projecto C consagrava o sistema presidencialista-parlamentar.

A actual Constituição da República de Angola de 2010 resultou da adopção C, em nosso entender, ao consagrar o sistema de governo presidencialista-parlamentar, com amplos poderes concentrados na figura do Presidente da República.

3.2 O procedimento constituinte na Ordem Constitucional Angolana

O constitucionalismo angolano acolheu a forma de procedimento através da Assembleia Nacional constituinte em matéria constitucional. Só esta reserva para si todas as competências jurídico-constitucionais, revestindo-se de poderes formais para modificar ou aprovar a Constituição.

Tais prerrogativas já vinham da Lei Constitucional de 1992 que definia, no seu artigo 88.º, ser de competência da Assembleia Nacional «aprovar a Constituição da República de Angola». Trata-se de uma matéria de competência executiva do Órgão Legislativo ordinário nacional, pelo que a Lei Magna não pode ser objecto de qualquer procedimento, quanto à sua alteração e aprovação, por outro órgão político.

Esta é a forma procedimental clássica de aprovação da Lei Constitucional. A Assembleia Constituinte assume-se como um órgão soberano, sendo uma Assembleia constituinte soberana quando adopta «a forma representativa pura cabendo-lhe elaborar a Constituição, excluindo-se qualquer intervenção directa do povo através de referendo ou plebiscito».

A aprovação da Constituição determinou-se por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções (artigo 158.º, n.º 1 da Lei Constitucional de 1992), tornando-se elevada a qualidade da maioria em relação ao grau exigido para a aprovação das leis ordinárias, ou infraconstitucionais.

Aprovada a Constituição, a última fase é sua assinatura e promulgação pelo presidente da República e entrada em vigor.

3.3 Estrutura sistemática da Constituição de 2010

No âmbito sistemático, a actual Constituição apresenta a seguinte estrutura e unidade temática:

  • O preâmbulo indica as linhas gerais, objectivos e intenções que motivaram a feitura ou aprovação da Constituição, bem como a identidade do titular do poder constituinte que, doutrinalmente, é a Nação ou povo através do seu representante (Assembleia Constitucional).

Como ensina Jorge Miranda, «um preâmbulo ou proclamação mais ou menos solene, mais ou menos significante anteposta ao articulado não é componente necessário de qualquer Constituição; define-se apenas como um elemento natural de Constituições feitas em momento de ruptura histórica ou de grande transformação político-social».

Na verdade, não se tratando no contexto político em que se cria a nova Constituição, de ruptura mas sim de continuidade constitucional com a intenção de conferir estabilidade à organização política do país com novo texto constitucional, o preâmbulo da Constituição espelha um enunciado de intenções que norteiam os objectivos da colectividade estadual, inspirador dos anseios de todo um povo que no passado experimentou grandes vicissitudes.

  • O texto da Constituição compreende o conjunto de artigos da Constituição, e disposições finais e transitórias. O conjunto dos artigos encontra-se disposto mediante uma sistematização em Títulos, Capítulos e secções, agrupados segundo a matéria que regulam; bem como os anexos que são disposições de carácter técnico que, pela sua importância política, figuram na Constituição (Bandeira Nacional e o Hino Nacional).

3.4 O poder constituinte na Constituição de 2010

Na Constituição de 2010, define-se que o titular do poder constituinte é o titular da soberania. E esta «pertence ao povo que a exerce através do sufrágio universal e demais formas estabelecidas pela Constituição (artigo 3.º da Constituição da República de Angola). O princípio do Estado República tem como suporte a soberania e independência, princípios que assentam «na dignidade da pessoa e na vontade do povo angolano». Assim, vontade do povo constitui um preceito e garantia constitucional devendo ser respeitado pelo poder público, além de que o próprio Estado, sendo Estado de direito, reserva-se ético-moralmente ao respeito dos valores a proteger pelo Direito.

O princípio do Estado República apoia-se na unidade de um conjunto de instituições republicanas constituídas no quadro do princípio do Estado democrático de direito; ou seja, a unidade republicana assenta na unidade constitucional do próprio Estado. É o que significa dizer, por outro lado, que o princípio do Estado Republicano assenta no regime republicano de governo. O poder de revisão constitucional encontra, naqueles princípios, o seu limite de actuação sempre que se trate de introduzir alterações à Constituição, não podendo tal princípio ser objecto de revisão.

O Estado não é uma entidade abstracta. Ele existe por vontade de determinada comunidade política que se organiza segundo as formas que ela própria define para a sua realização, preenchendo requisitos que a classifica como Estado.

Assim como se define, o princípio da “soberania popular” constitui fundamento do Estado democrático de direito. Como entende Gomes Carvalho, “trata-se de um domínio sujeito à deliberação política de cidadãos livres e iguais” que inspira a forma democrática do Estado de Direito e o carácter de legalidade do Estado democrático.

CONCLUSÃO

O Sistema Constitucional Angolano sofreu muitas transformações que moldaram a sua estrutura, definiram os seus preceitos e os seus princípios. É um sistema cuja estrutura obedece a lei magna estadual, a Constituição Angolana de 2010.

Porém, e como em qualquer tema de estudo, sobretudo no âmbito constitucional, é importante que se conheça e se compreenda todo o contexto histórico que constituiu uma realidade jurídica transformadora dessa estruturação.

No caso particular de Angola, é indispensável que se reconheça que a história Constitucional Angolana, respeita dois períodos principais, um dos quais respeitantes a história Constitucional Portuguesa. Surge a necessidade de se conhecer essa história para que possamos entender como essa evolução Constitucional Portuguesa de mais de um século até a data da Independência de Angola, viria a influenciar a construção da nova realidade Constitucional Angolana.

Torna-se também necessário saber, como evoluiu o sistema Constitucional Angolano desde a sua Independência até aos dias de hoje, quais mudanças foram mais evidentes, e como a realidade política assumiu o papel orientador desse sistema.

Por fim, e como observado é necessário entender que, como elemento estruturador do Sistema Constitucional Angolano, a Constituição Angolana de 2010 define a organização desse sistema, porém o sistema é muito maior que a Constituição, é toda a história que envolve e justifica a rica experiência jurídica, política e social que se foi adquirindo.

Em linhas gerais, todos os objectivos estabelecidos foram alcançados e temos a satisfação e o prazer de entregar o trabalho que nos foi proposto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MIRANDA, Jorge – Manual de Direito Constitucional, Tomo I, 8ª Edição, Coimbra, 2009

KENDALL, Maria G. Freitas e TORRES, Afonso Pinheiro – Introdução ao Direito, 11ª classe, Porto Editora, 2015.

CAPOCO, Zeferino – Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Cap. 5, Escolar Editora, 2015.

GOUVEIA, Jorge Bacelar – Direito Constitucional de Angola, Cap. II, IDILP, 2014.

A Constituição Portuguesa de 1933 –

https://pt.wikipedia.org/wiki/Constitui%C3%A7%C3%A3o_portuguesa_de_1933

Acessado em 16 de Janeiro de 2021

A independência das colónias portuguesas –

https://www.infopedia.pt/$independencia-das-colonias-portuguesas-em

Acessado em 16 de Janeiro de 2021

Escrito por

Balctor Mendonça

Balctor de Mendonça é um jovem estudante de Direito, e amante do ecossistema Digital, que procura a todo o custo desenvolver o ambiente tecnológico na sua região aproveitando as suas valências.