Relação Jurídica - Indice Juridico

Autores: Ambrósio Joaquim, Balctor de Mendonça, Cinelly Ngonga, Ernesto Sito, Filomena Canhama, Francisco Canduco, Jaime Branco, Maria Domingos e Vicente Muteca.

Suporte acadêmico: Faculdade de Direito da Universidade Mandume Ya Ndemufayo

Resumo

As sociedades são agregadas de pessoas que vivem em relação. As relações sociais, embora não materiais nem psicológicas, aprendem-se por meio de juízos, que são juízos realidade que, se reguladas pelo direito, fundam relações jurídicas independentemente de leis que as moldem.

A relação Jurídica, é um dos elementos basilares de toda a ciência do Direito, uma vez que este serve, não para regular a conduta do homem, mas a conduta do homem em convivência com outos homens.

É importante, no entanto, entender que nem toda a interação social pode ser reconduzida a relação jurídica. Há situações jurídicas no sentido de situações valoradas pelo direito que se não podem reduzir à categoria intersubjetiva da relação. As situações jurídicas podem dividir-se em activas e passivas.

Voltando a relação jurídica, esta obedece a uma estrutura, que é constituída por elementos essenciais a sua existência. Esses elementos incluem as partes ou pessoas entre as quais a relação se desenvolve (sujeitos), o instrumento, elo de ligação entre as partes (objecto), o evento que origine essa relação (facto) e a protecção ou satisfação conferida as partes de não verem os seus interesses e direitos lesados, ou em caso de lesão, possam recorrer a legítima reparação (garantia). Sem contar com os elementos que constituem o conteúdo de uma relação jurídica, bem como as várias modalidades pelas quais esta se desdobra.

INTRODUÇÃO

As sociedades são agregadas de pessoas que vivem em relação. As relações sociais, embora não materiais nem psicológicas, aprendem-se por meio de juízos, que são juízos realidade.

As relações sociais funcionam com uma matéria-prima do direito. Se reguladas pelo direito, fundam relações jurídicas independentemente de leis que as moldem. Haverá que estudá-las além de outras realidades como as pessoas, bens e ações. Mas na teoria geral só nos ocuparemos de uma análise dos elementos constantes, e não o conteúdo ilimitadamente variável de cada situação. Importa referir que nem toda valoração pelo direito origina uma relação jurídica, como mencionaremos adiante.

Queremos com esse artigo, como demonstraremos adiante, procurar fazer uma abordagem geral sobre a Relação Jurídica, bem como a sua estrutura, e procuraremos tratar de todos os aspectos possíveis sobre a temática, seguindo a estrutura doutrinal tradicional dos vários autores relevantes no nosso ordenamento jurídico sem, contudo, alongarmo-nos em aspectos que podem ser melhor abordados quando estudados de forma particular.

Como será visível, optamos também, neste trabalho, por proceder a remissões doutrinárias em conteúdos cuja compreensão exaustiva só poderá ser alcançada em obras mais completas.

Capítulo I – Fundamentos da Relação Jurídica

A relação Jurídica, é um dos elementos basilares de toda a ciência do Direito, uma vez que este serve, não para regular a conduta do homem, mas a conduta do homem em convivência com outos homens.

Evolução Histórica

Este instituto do Direito tem a sua génese no Direito Romano, quando se falava aí em vinculum juris, contudo, foi especialmente Savigny, na pandetística alemã do século XIX, que elevou esse conceito a categoria de conceito-base da construção do Direito Civil (MENDES, 1997, p. 122).

Nos últimos anos, vários autores têm tentado contestar o lugar do conceito de Relação Jurídica na categoria que foi colocado, alegando que algumas situações da vida social seriam irredutíveis a categoria das relações jurídicas, mas sim a de situações jurídicas. Porém tal situação é facilmente contornável por duas razões fundamentais:

  1. Como já dissemos, o direito não rege a conduta do homem isolado, mas sim em convivência, pelo que, não obstante surjam situações irredutíveis a categoria das relações jurídicas, elas continuam a ser as que mais se observam a realidade jurídica;
  2. A segunda traduz-se no facto de que tal categoria já é própria do Direito Civil dominando grande parte dos Códigos Civis, particularmente, o Código Civil Angolano (Livro I – Parte Geral, Título II- Das relações jurídicas).

Noção e Sentidos do Conceito de Relação Jurídica

O conceito de relação jurídica pode ser visto sobre duas perspectivas, um sentido amplo e um sentido mais restrito. Em sentido amplo, é toda a relação da vida social relevante para o direito, produtora de efeitos jurídicos, e disciplinada pelo direito.

Em sentido mais restrito, é a relação da vida social disciplinada pelo Direito mediante atribuição a uma pessoa de um direito subjectivo (um poder ou faculdade de exigir de outrem um determinado comportamento) e a imposição a outra pessoa de uma vinculação (um dever jurídico ou uma sujeição conforme se trate de uma pretensão ou de uma exigência).

Não nos limitaremos a nenhum sentido em particular, até porque, por estar em abordagem uma teoria geral, torna-se importante abordar todos os pontos de interesse a estrutura fundamental da relação jurídica.

A Situação Jurídica

É importante, no entanto, explicar que nem toda a interação social pode ser reconduzida a relação jurídica. Há situações jurídicas no sentido de situações valoradas pelo direito que se não podem reduzir à categoria intersubjetiva da relação.

Assim sendo o direito regula a pessoa em si – e a pessoa define-se independentemente da relação. O direito regula a posição das pessoas perante as coisas e entre pessoas e coisas não se cria o que tecnicamente se chama de relação jurídica, v.g. o direito prevê os crimes praticados sobre cadáveres e o cadáver não é sujeito de relação; e assim por diante, isto nos mostra que o conceito ontológico da relação é insuficiente para abarcar todas as situações valoradas pelo direito, há no entanto que recorrer a um conceito mais genérico que é o conceito de situação jurídica.

A situação jurídica já não é dependente de uma realidade prévia ou de uma valoração da realidade pela ordem jurídica. Assim a qualificação legal de uma coisa como fora do comércio cria uma situação jurídica, como figura meramente técnica. José de Oliveira Ascensão define situações jurídica como situações de pessoas, resultantes da valoração histórica da ordem jurídica, sendo ela uma realidade normativa, o seu plano é a validade, resultam da aplicação de uma ou mais normas.

Segundo Luiz Carvalho Fernandes, entende-se situação jurídica como posições ocupadas pelas pessoas em relação aos bens segundo a sua atribuição por força das normas jurídicas, como efeitos da verificação de certos factos com relevância para o direito.

As situações jurídicas podem dividir-se em activas e passivas. Podem ser activas e passivas consoante a posição da pessoa em relação a determinado bem:

  •  Situação jurídica Activa: aqui, a figura central é o direito subjetivo, importa antes deixar claro que o direito subjetivo está longe de esgotar o elenco das situações jurídicas ativas, para além de próprio poder revestir várias modalidades.
  • Situação jurídica Passiva: Aqui não se identifica uma figura central correspondente ao direito subjetivo, pois já sabemos que não falamos em vinculações, estamos apenas a recorrer a uma designação genérica que pretende englobar as suas várias modalidades.

Estrutura da Relação Jurídica

A relação jurídica obedece a uma estrutura, que é constituída por elementos essenciais a sua existência. Ou seja, a existência da relação jurídica deve-se a um conjunto de elementos sem os quais não seria possível estabelecer-se essa relação.

Esses elementos incluem as partes ou pessoas entre as quais a relação se desenvolve (sujeitos), o instrumento, elo de ligação entre as partes (objecto), o evento que origine essa relação (facto) e a protecção ou satisfação conferida as partes de não verem os seus interesses e direitos lesados, ou em caso de lesão, possam recorrer a legítima reparação (garantia), os quais abordaremos individualmente em capítulo próprio.

Como já vimos dois elementos que muito importa entender no conteúdo das relações jurídicas são, as faculdades ou poderes que são atribuídas a uma das partes, e os deveres ou sujeições a que são vinculadas à outra, são assim considerados por deles depender, as posições dos intervenientes da relação, bem como os direitos e deveres que, de facto constituem esse nexo relacional.

  1. Direito Subjectivo

Embora alguns autores, como é o caso da nossa referência mais próxima, o professor Carlos Burity da Silva, prefiram fazer a distinção entre os direitos subjectivos e os deveres jurídicos ou sujeições, para nós trata-se, de forma técnica, de um pleonasmo, uma vez que os deveres e sujeições estão, a partida consagrada na noção dos direitos subjectivos.

Importa aqui é, fazer a distinção entre os direitos subjectivos strictu sensu (ou propriamente ditos) e os direitos potestativos.

  • Nos direitos subjectivos propriamente ditos, a ordem jurídica atribui ao sujeito activo da relação um poder ou faculdade de pretender de outrem, só de per si, certo comportamento (positivo ou negativo), e atribui ao sujeito passivo um dever jurídico. Entenda-se aqui que até este ponto o sujeito passivo é livre de cumprir ou não com o dever que lhe está vinculado, e é normalmente por não cumprimento voluntário desse dever, que surgem os direitos potestativos.
  • Nos direitos potestativos, a ordem jurídica atribui ao sujeito activo o poder de exigir de outrem, acompanhado de uma decisão judicial, um certo comportamento (sempre positivo), e atribui uma sujeição ao sujeito passivo. Nesta situação o sujeito passivo encontra a sua atitude condicionada ao cumprimento obrigatório da sujeição a que está adstrito, seja voluntária ou coactivamente.

Modalidades da Relação Jurídica

Conhecidos os elementos que constituem o conteúdo da relação jurídica, vamos agora analisar as modalidades em que essa relação se pode desdobrar.

Relações Jurídicas Próprias e Relações Jurídicas Impróprias

São relações jurídicas próprias quando decorrem com todos os elementos previamente referenciados, sendo estas as mais comuns na vida quotidiana.

Já as relações jurídicas impróprias são as que decorrem com a falta de algum(s) dos elementos referenciados, sendo que estas relações podem ser:

  1. Imperfeitas: quando decorrem com a falta de algum dos elementos, v.g. o negócio jurídico com concepturos;
  2. Anómalas: quando os seus elementos apresentam características desconformes ao modelo das relações jurídicas próprias, v.g. o direito de anular um negócio jurídico anulável. (PINTO, 2005, p. 118)

Relações Jurídicas de Direitos Absolutos e de Direitos Relactivos

Frequentemente acontece, que na relação jurídica, o sujeito passivo é um ente determinado, contudo, não se descartam casos em que o sujeito passivo pode ser um conjunto de sujeitos (indeterminados) na ordem jurídica, aos quais, pode o sujeito activo exigir o respeito generalizado e “universal” do seu direito.

Dessa forma surgem as relações jurídicas de direitos absolutos e relactivos.

  • Relações jurídicas de direitos absolutos: são aquelas a que corresponde um dever jurídico geral de respeito ou obrigação passiva universal.
  • Relações jurídicas de direitos relactivos: são aquelas a que se contrapõe um dever ou sujeição de certa ou certas pessoas.

Relações jurídicas simples e relações jurídicas complexas

Entende-se por relações jurídicas complexas «um conjunto de relações travadas entre as mesmas pessoas, unificadas por um factor especial, maxime, derivarem do mesmo facto jurídico». (FERNANDES, 2012, p. 121)

Neste sentido, são relações jurídicas simples aquelas travadas sobre uma perspectiva cuja atribuição de poderes e vinculação de deveres é analisada sobre um único molde.

Leia  In Dubio Pro Reo: O princípio da Presunção de Inocência em sede da Segurança Jurídica

Tomemos o seguinte exemplo:

O sujeito A concordou em ceder a B parte da sua biblioteca jurídica em troca de um modesto valor pecuniário. Neste sentido temos duas posições:

À primeira vista, considera-se que na relação apresentada, A é o sujeito activo, e B o sujeito passivo. Sendo esta uma relação jurídica simples.

Contudo, por força do artigo 879º do C.C., esse contrato que é, a partida de compra e venda, faz surgir um 3º efeito, para além da transmissão da titularidade da biblioteca jurídica e o dever de pagar o valor pecuniário que compõem a relação “original”, o dever de entregar a coisa, que coloca o sujeito A, já não na posição de sujeito activo, mas na de sujeito passivo, e o sujeito B na posição de sujeito activo.

Conhecidos os fundamentos da relação jurídica, resta agora conhecer melhor os seus elementos estruturantes.

Capítulo II – Elementos (estruturantes) da Relação Jurídica

Os Sujeitos Da Relação Jurídica

Dada a noção de relação jurídica, logo nos aparece como primeiro dos seus elementos, os sujeitos que se dividem em: sujeito activo e sujeito passivo, são os extremos entre os quais se estabelece o nexo em que a relação jurídica se cifra. Contudo é possível que em determinadas situações haja mais do que um sujeito activo ou mais do que um sujeito passivo.

A doutrina discute sobre a possibilidade, de numa relação jurídica, haver apenas um sujeito passivo, colocando no centro dessa questão a problemática dos nascituros e concepturos, negando-lhes personalidade e capacidade jurídica.

Por nosso turno optamos tratar essa questão na óptica das excepções, sendo esta uma abordagem generalizada, não nos podemos dar ao luxo de apontar todas as razões pelas quais concordamos ou não com tais postulados. Mas tal situação desponta, em parte, a questão sobre os direitos sem sujeitos, que é abordada pelo professor Carlos Burity da Silva, em sede das doações e sucessões “mortis causa”, vide Teoria Gera do Direito Civil, p. 228-229.

  • Classificação dos Sujeitos

Uma vez que a relação jurídica se desenvolve sempre entre pelo menos duas pessoas, podendo naturalmente estabelecer-se entre muitas mais, os seus sujeitos ocuparão sempre duas posições, como já referimos anteriormente, o sujeito activo que é ou são as pessoas a quem são atribuídos os poderes jurídicos (direitos subjectivos strictu senso ou direitos potestativos), e o sujeito passivo que é ou são aqueles a que ficam adstritas a adopção de uma conduta (dever jurídico ou sujeição).

Os sujeitos da relação jurídica são as pessoas entre as quais se estabelece o enlace, o vínculo respectivo. São os entes susceptíveis de serem (…) titulares de relações jurídicas. (SILVA, 2014, p. 227)

Esta susceptibilidade de serem titulares da relação jurídica traduz-se na qualidade de terem ou não personalidade jurídica.

  • Personalidade Jurídica e Capacidade Jurídica

A personalidade jurídica traduz-se na susceptibilidade de se ser titular de direitos e estar adstrito a obrigações.

É uma qualidade muito discutida pela doutrina, sobretudo pela temática já mencionada acima [nascituros e concepturos (SILVA, 2014, p. 250-252)], mas que regra geral, tem o seu início com o nascimento completo e com vida (art. 66º do C.C.) e tem o seu termo com a morte (art. 68º nº 1).

À personalidade jurídica está adstrita uma segunda qualidade, que se traduz na medida de direitos de que uma pessoa pode ser titular, a capacidade jurídica.

A capacidade jurídica por sua vez desdobra-se em duas modalidades:

  • Capacidade de gozo é a medida de direitos e vinculações de que a pessoa é susceptível de ser titular, também é muitas vezes associada a capacidade jurídica de facto por se entender nela o leque de direitos de que uma pessoa pode ser titular.
  • Capacidade de exercício é a medida de direitos e vinculações que a pessoa pode exercer ou cumprir por si, pessoal e livremente. É também um conceito associado ao de incapacidade jurídica por se entender estarem aqui direitos, que a partida, são mais vulneráveis a bloqueios seja por falta de elementos legais (como a maioridade, o consentimento, etc), como por elementos físicos (como certas deficiências) ou até por elementos psicológicos (como a demência, etc).

A par das capacidades jurídicas estão as incapacidades jurídicas, que serão melhor abordadas em conexão com os sujeitos a que estas se destinam. A partida, tanto a personalidade como a capacidade jurídica só podem ser conferidas as pessoas, sejam elas singulares ou colectivas.

Pessoas Singulares

Atribui-se o estatuto de pessoas singulares as pessoas físicas, ou seja, aos seres humanos. E a estes, como já vimos, são conferidas capacidades especiais que lhe tornam susceptíveis de serem titulares de direitos e estarem vinculados a obrigações, é, como já vimos, a personalidade jurídica.

As disposições apresentadas no subtema anterior, relactivas a personalidade e capacidade jurídicas aplicam-se as pessoas singulares, restando aqui apenas abordar o instituto das incapacidades jurídicas.

Incapacidades Jurídicas das Pessoas Singulares

Às capacidades jurídicas das pessoas singulares opõem-se as incapacidades jurídicas, que dependendo dos seus destinatários pode ser as seguintes:

  • Incapacidade Dos Menores (Menoridade)

Incide sobre as pessoas que, nos termos da legislação aplicável (neste estudo, o artigo 122º do C.C.), não tenham atingido a maior idade.

Funda-se na ideia de que só com a maioridade, as pessoas estão em condições de formar e manifestar o seu consentimento e acautelar os seus legítimos interesses.

Os actos praticados pelos incapazes estão feridos de anulabilidade, podendo ser invocada, ou pelo representante do menor, ou pelo próprio menor, nas circunstâncias previstas pelo artigo 125º do C.C.

A incapacidade dos menores poder ser suprida. Essa supressão pode ser feita:

  • Pelo Poder Paternal: no caso de menores sujeitos ao pátrio poder;
  • Pela tutela: no caso de menores não sujeitos ao pátrio poder, ou cujos genitores não possam exercer o poder paternal unilateralmente.

Essa incapacidade cessa no momento em que a pessoa atinge a maioridade.

  • Incapacidade Dos Interditos

Entendem-se por interditos do exercício dos seus direitos todos aqueles que por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens (art. 138º do C.C.).

A partida, a interdição é uma figura aplicável à maiores, mas podem ser requeridas e decretadas dentro do ano anterior a maioridade, contudo os seus efeitos só se produzem após a maioridade.

O valor dos actos praticados pelos interditos obedecem a 3 modalidades expressamente consagradas no código civil:

Os actos praticados após o registo da sentença de interdição definitiva, estão feridos de anulabilidade, quanto a invocação desta, aplica-se por força do artigo 139º, o artigo 125º com as respectivas adaptações.

Os actos praticados no decurso da acção de interdição, são susceptíveis de ser anulados nas seguintes situações:

  1. desde que a intervenção venha a ser decretada
  2. desde que se mostre que o negócio causou prejuízo ao interditado

Os actos praticados antes da publicação da acção, rege-se, por força do artigo 150º, pelo artigo 257º do C.C. e exige-se para que tais actos possam ser anulados, que a pessoa esteja sobre os efeitos que motivaram a interdição, ou que, no momento da negociação, não possa exercer livremente o seu consentimento.

Além dos pressupostos indicados acima, é necessário que a causa limitante da capacidade do declaratário seja notória, ou conhecida por este.

A incapacidade dos interditos pode ser suprida pelo instituto da representação legal, pela figura da tutela. E cessa com a verificação do não existência do facto causador da interdição, contudo, essa cessação tem que ser levantada a requerimento do interdito ao das pessoas mencionadas no artigo 141º.

  • Incapacidade Dos Inabilitados

Integram a categoria dos inabilitados as pessoas cuja anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, embora de carácter permanente, não seja de tal modo grave que justifique a sua interdição, assim como aqueles que, pela sua habitual prodigalidade ou pelo abuso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes, se mostrem incapazes de reger convenientemente o seu património.

A incapacidade deve ser declarada por sentença judicial, de que dependerá a extensão do alcance deste instituto. (art. 153º e 154º do C.C.)

Os actos praticados pelos inabilitados estão sujeitas as mesmas disposições sobre os efeitos dos actos dos interditos. (art. 156º do C.C.)

A forma de supressão dessa incapacidade é o instituto da assistência, por meio de um curador. A incapacidade por inabilitação deixa de existir pelo levantamento da incapacidade, nos moldes do artigo 155º do C.C.

  • Incapacidade Acidental

Apesar da significativa perda de espaço, a incapacidade acidental mereceu consagração no artigo 257º, estando integradas nessa categoria as pessoas que em determinado momento tenha dado uma declaração negocial sem compreender o seu sentido, ou sem que possa livremente exercer a sua vontade.

Os actos praticados nessa condição pode ser susceptíveis de anulabilidade desde que o facto que alegado para tal incapacidade seja notório, ou de conhecimento do declaratário.

A incapacidade cessa com a retoma da lucidez do incapacitado.

  • As Incapacidades Conjugais

As incapacidades, ou mais correctamente, ilegitimidades conjugais, resultam da administração dos bens do casal, mais precisamente, da necessidade do consentimento do cônjuge para certas práticas relactivas aos bens do casal, v.g. artigo 56º, nº 2 e 3 do C.F.

Os actos praticados nessas circunstâncias estão sujeitos a anulabilidade (art. 60º do C.F.) A supressão dessas ilegitimidades é feita por duas modalidades:

  1. Em caso de acto sujeito à consentimento, pelo consentimento;
  2. Em caso de acto sujeito à acordo, pelo suprimento judicial do acordo. (art. 59º)

Dentro da temática das incapacidades, os professores Carlos Burity Da Silva e Carlos Alberto Mota Pinto acolhem a situação da insolvência e da falência como conteúdos equiparados ao das incapacidades, além de institutos como o domicílio e a ausência, que, por estarmos aqui a fazer uma abordagem seguindo uma estrutura mais tradicional, optamos por deixar tais institutos de fora.

Pessoas colectivas

A par das pessoas singulares estão as pessoas colectivas, designação dada as pessoas que não possam ser reconduzidas a seres humanos.

As pessoas colectivas são colectividades de pessoas ou complexos patrimoniais organizados em vista de um fim comum ou colectivo a que o ordenamento jurídico atribui qualidade de sujeito de direitos.

As pessoas colectivas estão constituídas por 2 elementos fundamentais:

  1. Substracto: é o conjunto de elementos extra-jurídicos, anteriores a atribuição da personalidade jurídica. Sendo que estes elementos podem ser:
    1. Materiais: que pode ser constituído por pessoas (elemento pessoal, típico das corporações), bens (elemento patrimonial, típico das fundações) ou pessoas e bens;
    2. Teleológicos: o fim que a pessoa colectiva procura prosseguir;
    3. Intencional: o intento de constituir um novo sujeito de direito, diferente dos associados, dos fundadores ou dos beneficiários;
    4. Organizatório: o conjunto de disposições destinados a reger as actividades da pessoa colectiva, bem como imputar as vontades psicológicas as da pessoa colectiva.
  1. Reconhecimento: é o elemento jurídico, o elemento que transforma a pessoa colectiva de mera organização, para pessoa colectiva, o reconhecimento pode assumir as seguintes modalidades:
    1. Normativo: quando deriva automaticamente da lei. O reconhecimento normativo pode ainda assumir as seguintes formas:
      1. Reconhecimento Incondicionado: quando a atribuição da personalidade jurídica é feita pela de plano, sem mais exigências a todo o substrato completo da pessoa jurídica
      2. Reconhecimento Condicionado: quando a atribuição de personalidade jurídica está condicionada a um conjunto de exigências que, a partida, são estipuladas por lei.
    2. Individual ou concessão: traduzido por um acto individual e discricionário de uma autoridade pública.
Leia  Tutela e Curatela, uma análise dos institutos romanos.

Classificação das Pessoas Colectivas

Conhecidos os elementos constitutivos das pessoas colectivas, analisemos agora a tipicidade a que estão sujeitas. As pessoas colectivas, podem ser classificadas seguindo os critérios:

  • Doutrinal: é um modo de classificação fruto da literatura jurídica, que embora possam aflorar na lei, não estão lá consagradas, podendo ser:
  1. Corporações e Fundações, conforme tenham substrato material pessoal ou patrimonial respectivamente;
  2. Pessoas colectivas Públicas e Pessoas colectivas privadas, «sendo de direito público aqueles que disfrutem, em maior ou menor extensão do ius imperii, correspondendo-lhes, portanto, quaisquer direitos de poder público (…); e de direito privado todas as outras.» (SILVA, 2018, p. 331)

A classificação doutrinal não se esgota nos modos apresentados. O professor Carlos Burity da Silva faz essa distinção de forma mais aprofundada, com base em critérios tipológicos singulares (vide Teoria Geral do Código Civil, 2018, p. 333-336).

  • Legal:  é um modo de classificação com base em critérios e tipologias legais, podendo desdobrar-se em 3 tipologias fundamentais:
  1. Associações: vários conceitos são apresentados pela doutrina para identificar as associações, por nosso turno, utilizaremos o conceito apresentado pela lei das Associações Privadas, lei nº 6/12 de 18 de Janeiro, que define as associações como pessoas colectivas constituídas por duas ou mais pessoas singulares ou colectivas e que não têm por fim o lucro económico dos associados;
  2. Fundações: que podem ser definidas como «estruturas patrimoniais organizadas, de modo a prosseguirem interesses especiais». (MENDES, 1994, p. 142);
  3. Sociedades: que podem ser definidas como «uma associação de duas ou mais pessoas, que põem em comum os bens e serviços necessários ao exercício de uma actividade económica, que não seja de mera fruição, com vista à obtenção de lucro a repartir pelos sócios» (FERNANDES, 2012, p. 496). A sociedade, em função de cada ordenamento jurídico, pode assumir diferentes classificações, mas o professor Carlos Burity da Silva classifica-os em:
    1. Sociedade em nome colectivo: a responsabilidade dos sócios é ilimitada, podendo o sócio responder por compromissos financeiros da sociedade depois de executado o património social.
    2. Sociedades anónimas: a responsabilidade dos sócios é limitada, estando estes isentos de responsabilidade pessoal pelas dívidas da sociedade, e o capital social está dividido em fracções, correspondendo cada fracção a uma acção.
    3. Sociedades em comandita, que podem ser:
      1. por acções: quando as participações dos sócios forem representadas por acção;
      2. simples: quando não existe representação do capital social por acções;
    4. Sociedades por quotas: a responsabilidade dos sócios é limitada, não respondendo pelos encargos ou dívidas da sociedade.

Além das classificações apresentadas podem ainda encontrar-se pessoas colectivas que se enquadrem em tipologias especiais, como são os casos:

  • Das Empresas estratégicas: incluem-se nessas as empresas que explorem serviços públicos, assegurem actividades que interessem fundamentalmente a reconstrução e defesa nacional, ou exerçam actividade em regime de monopólio.
  • Das Associações colectivas de trabalhadores: são associações de trabalhadores, que quando adquiram personalidade jurídica podem ser reconduzidas a categoria de pessoas colectivas privadas.
  • Das Associações Políticas e Partidos Políticos: as associações de carácter político (previstas na Lei das Associações, lei nº 6/12 de 18 de Janeiro e na Lei do Partidos Políticos, lei nº 22/10 de 03 de Dezembro).

Capacidade Jurídica das Pessoas Colectivas

Quanto a capacidade jurídica, às Pessoas Colectivas aplicam-se as mesmas disposições gerais que apresentamos no início deste sub-capítulo, importando aqui apresentar pequenas especcificidades.

Quanto a capacidade de gozo, as pessoas colectivas têm-nas limitada aos direitos e vinculações adequados aos interesses que prosseguem, de acordo com as disposições do artigo 160º do C.C., conclui-se que o leque de direitos e deveres que lhes são conferidos estão limitados a finalidade com que são constituídas.

Quanto a capacidade de exercício, a doutrina ainda discute acerca do alcance, ou até a existência desta figura quando se trate de pessoas colectivas.

Alguns autores pretendem que as pessoas colectivas são incapazes por natureza, sendo essa incapacidade suprida pela representação (MENDES, 1994, p. 143). Essa representação seria feita por meio do corpo administrativo e dos órgãos de gestão da pessoa colectivas; já outros autores, entendem que as pessoas colectivas têm sim essa capacidade jurídica, contudo não é uma capacidade jurídica natural, mas juridicamente organizada. A lei dota as pessoas colectivas de órgãos, através dos quais actua no mundo do direito.

Por serem pessoas jurídicas, as pessoas colectivas também podem ser responsabilizadas civilmente nos termos do artigo 165º do C.C.

Os sujeitos da relação jurídica, como já dissemos, estão ligados por um vínculo, por elo relacional, que é o objeto.

Objecto da Relação Jurídica

Noção

Entende-se por objecto da relação jurídica, no sentido mais simples do termo, aquilo sobre o que incide o nexo relacional dos sujeitos da relação jurídica.

Contudo esta concepção tem as suas imperfeições. Este objecto da relação refere-se ao objecto do direito subjectivo que constitui o lado activo da relação jurídica, (PINTO, 2005, p. 331), sendo que, uma concepção mais aguçada seria a de que o objecto da relação jurídica é aquilo que inicia um nexo relacional entre dois sujeitos de direito.

Sendo o direito subjectivo um poder ou uma faculdade de pretender ou exigir, o objecto da relação jurídica pode ser esse poder, e a coisa sobre o qual recai esse poder, que pode traduzir-se num bem, património, direito ou pessoa.

O direito subjectivo manifesta-se em duas perspectivas, no seu sentido mais abstracto, no poder ou faculdade atribuída ao sujeito activo da relação (quer seja de pretender ou exigir), e no seu sentido mais concreto no bem que estabelece o nexo relacional entre os sujeitos da relação jurídica (v.g. na compra e venda de um carro, o carro é o bem que estabelece essa relação, na doação de um monumento a uma igreja, o monumento estabelece essa relação).

Entendida a noção de objecto da relação jurídica, torna-se necessário entender as duas perspectivas sobre que este conceito na relação jurídica.

Classificação do Objecto da Relação Jurídica

Como já introduzimos atrás, ao objecto da relação jurídica estão imputadas duas perspectivas, uma abstracta, que compreende todo o complexo formado pelos direitos subjectivos, por um lado, e pela vinculação ou sujeição jurídica, por outro (MENDES, 1997, p. 129-130); e uma mais concreta que alguns entendem como as realidades sobre as quais a relação jurídica vai incidir, que podem ser diversas (embora a doutrina considere e, a legislação enfatize, as coisas como principal exemplo).

  • Objecto Imediato

O objecto imediato da relação jurídica compreende o conjunto de direitos que constituem os direitos subjectivos.

Esses direitos traduzem-se em poderes ou faculdades para o sujeito activo da relação jurídica, aos quais o sujeito passivo fica vinculado por dever jurídico ou sujeição, caso se trate de exigência (Direito Potestativo) ou pretensão (Direito Subjectivo Strictu Senso), respectivamente.

Aos direitos subjectivos são atribuídas várias classificações, contudo, e nos atendo a doutrina fundamental, importa conhecer 2 para além dos Direitos Subjectivos Potestativos e Strictu Sensu:

  • Direitos Patrimoniais e não Patrimoniais: conforme sejam passíveis ou não de avaliação pecuniária, e que incedem sobre o património seja ele:
    1. Activo: complexo de direitos;
    2. Passivo: complexo de vinculações;
    3. Líquido: excesso de um sobre o outro, que pode ser positivo ou negativo.

Ou sobre a esfera jurídica (que pode ser patrimonial ou não patrimonial);

  • Direitos de conteúdo altruísta e de conteúdo egoísta: conforme os titulares do poder e do interesse estejam ou não em pessoas distintas.
    1. Direitos de conteúdo altruísta: quando o titular do interesse e do poder sejam pessoas distintas, v.g. Poderes Funcionais, Pátrio Poder…
    2. Direitos de conteúdo egoísta: quando o titular do interesse e do poder sejam a mesma pessoa, v.g. crédito, propriedade…

Estas categorias constituem as principais formas do objecto imediato da relação jurídica.  

  • Objecto Mediato

Entende-se por objecto mediato, o conjunto de realidades sobre os quais se incidem, o conjunto de direitos do objecto imediato da relação jurídica.

A doutrina também os entende como objecto do objecto imediato da relação jurídica. E, a este, a doutrina estabelece a classificação em duas modalidades, Coisas e Prestações, porém, o objecto da relação jurídica estende-se para além como veremos posteriormente;

  • Coisas

O conceito de coisas é aqui entendido numa realidade jurídica, que é definida no artigo 202º, nº1 do C.C., como tudo aquilo que pode ser objecto da relação jurídica.

À este sentido são apontadas várias críticas quanto ao alcance da definição, quando tomado no sentido generalizado do termo. Críticas estas que aqui são afastadas, pelo nº 2 do mesmo artigo, ao estabelecer um conjunto de critérios pelas quais essas “coisas” podem ser identificadas, especificamente: não se encontrarem em domínio público, e serem susceptíveis de apropriação individual; a estes critérios juntam-se os que dizem que as coisas devem ser separadas e autónomas e aptas a satisfazer interesses ou necessidades humanas.

O mesmo instrumento [legal], no seu artigo 203º, classifica as coisas em:

  1. Imóveis (art. 204º) e Móveis (art. 205º);
  2. Simples e Compostas (art. 206º);
  3. Fungíveis (art. 207º) e Infungíveis (não fungíveis);
  4. Consumíveis (art. 208º) e Não Consumíveis;
  5. Divisíveis (art. 209º) e Indivisíveis;
  6. Principais e Acessórias (art. 207º);
  7. Presentes e Futuras (art. 207º).

A estas, e sem consagração legal juntam-se as coisas, Corpóreas e Incorpóreas, conforme possam ou não ser tocadas respectivamente;

  • Prestações

A par das Coisas, estão as Prestações como objecto mediato da relação jurídica. Entendem-se por prestação, o comportamento ou atitude adoptada pelo sujeto passivo da relação jurídica (devedor).

Nesta situação, surge a necessidade de se entender que a prestação pode aparecer também como objecto imediato da relação jurídica, particularemente, nas obrigações de prestação de coisa, i.e., entrega de certa coisa ou bem à alguém, neste caso o objecto imediato é a prestação, e o objecto mediato é a coisa a ser entregue.

Contudo, interessa-nos a prestação de facto, que se traduz numa acção ou omissão.

A Prestação de Facto pode ser:

  1. Positiva: quando se traduz numa acção, v.g. prestação de um serviço;
  2. Negativa: quando se traduz numa omissão, v.g. a não concorrência;

Outros possíveis objectos da relação jurídica

Além dos já citados existem outros, ou outras modalidades de objectos da relação jurídica, encontrando-se aqui mais numa situação de direitos sobre direitos, onde podemos incluir:

  • As Pessoas: no caso dos direitos subjectivos, encontramos uma categoria especial, dos Direitos de Direcção ou Poderes Funcionais, que tem maior concretização no poder paternal ou pátrio poder. Neste caso em específico aos pais são conferidos, não poderes sobre a pessoa do filho, mas poderes que lhes permitam exercer os deveres que lhes são colocados por lei.
  • A Própria Pessoa: se entendermos os bens da personalidade (direitos da personalidade) como possíveis de ser envolvidos numa relação jurídica, em que os direitos (objecto imediato) recaiam sobre a pessoa humana.
  • Direitos Subjectivos: a doutrina também inclui os direitos subjectivos nesta categoria, nas situações em que possam constituir coisas de um direito. Um exemplo tomado por João de Castro Mendes, que visa melhor apresentar essa questão é o da Hipoteca, que facilmente se aplica no ordenamento jurídico angolano (art. 688º, nº 1, alíneas a), c), e e) do C.C.), que traduz a possibilidade de a hipoteca (direito real) recair sobre o usufruto (direito real) dos prédios rústicos e urbanos e sobre o direito de superfície (direito real);
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Vistos os entes que participam da relação jurídica, e o quid sobre qual essa relação se desenvolve, entendamos agora o evento ou acontecimento que origina essa relação.

Facto Jurídico

Facto jurídico é todo o acto humano, ou acontecimento natural juridicamente relevante. Essa relevância traduz-se na produção de efeitos jurídicos, contudo, o facto jurídico não é um elemento estruturante da relação como os que vimos até aqui (sujeitos e objecto).

É um acontecimento externo, decorrendo de uma situação fática ou real, importante porque, como já vimos não se pode conceber uma ideia de direito sem a presença das relações jurídicas desenvolvidas entre os homens na dinâmica do convívio social.

Tais relações, para que se concretizem e possam constituir direitos e obrigações valendo-se das normas que a disciplinam, necessitam de um impulso ou de um fato que lhes dê origem. A esta “mola propulsora” denominamos de fato jurídico, capaz de gerar relações jurídicas entre os homens, concedendo direitos e instituindo obrigações.

Classificação dos Factos Jurídicos.

Aos factos jurídicos podemos atribuir a seguinte classificação, de acordo com a doutrina civilista: Factos Jurídicos voluntários ou actos jurídicos e Factos Jurídicos Involuntários ou naturais

  • Factos Jurídicos Voluntários ou Actos Jurídicos

São acção humanas praticadas, tratadas pelo Direito como manifestações de vontade. A respeito dessa classificação, passaremos a nos referir a ela apenas por actos jurídicos.

Os actos jurídicos são susceptíveis de duas classificações mais importantes:

  • Actos lícitos ou ilícitos, consoante estejam ou não conformes a ordem jurídica;
  • Negócios jurídicos e Simples Actos Jurídicos: conforme os seus efeitos jurídicos tenham-se como pretendidos e queridos ou não, entendamos melhor esta categoria.

Os negócios jurídicos, resultam de uma ou mais declaração de vontades, a que a ordem jurídica atribui efeitos jurídicos concordantes ao conteúdo da vontade das partes. Podemos entendê-los como “acto cujos efeitos se produzem, porque queridos pelo seu autor.” (MENDES, 1994, p. 166)

Os simples actos jurídicos, são factos voluntários cujos efeitos se produzem, mesmo que não tenham sido previstos ou queridos pelo autor, não sendo, portanto, necessária uma manifestação de vontade de produção dos efeitos do acto em causa, para que verifique a sua eficácia.

Mas como se manifesta essa vontade de que tanto pode depender ou não os efeitos do acto jurídico?

O professor João de Castro Mendes, fala em 3 planos distintos da vontade nos negócios jurídicos:

  1. Como vontade da acção: vontade de produzir os gestos e sons em que a manifestação da vontade se traduz.
  2. Como vontade ou consciência da declaração: vontade de, com esses gestos e sons, traduzir um certo conteúdo de pensamento.
  3. Como vontade funcional: exige-se no acto negocial perfeito que, além de querer proferir certos sons e querer fazer certos gestos e com isto traduzir certo conteúdo de pensamento, o agente queira com isso certo resultado.
  • Negócios Jurídicos

A classificação básica dos negócios, que nos serve enquanto abordamos uma teoria geral da relação jurídica, compreende as seguintes categorias

  1. Negócios jurídicos unilaterais e Negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais: conforme façam parte um, dois ou mais partes (sujeitos de direito)
  2. Negócios jurídicos “Inter vivos” e Negócios jurídicos “mortis causa”: conforme os seus efeitos se produzem entre as partes ainda em vida, ou após a morte da respectiva parte ou de alguma delas.
  3. Negócios formais ou solenes e Negócios consensuais ou não solenes: conforme se exija ou não forma pré-determinada por lei.
  4. Negócios obrigacionais, reais, familiares e sucessórios, sendo:
    1. Obrigacionais: aqueles de que resulte a vinculação das partes, ou de alguma delas, à execução de prestações, isto é, a comportamentos devidos;
    2. Reais: aqueles que por um lado tenham quod efectum, e por outro os que se materializam com a entrega da coisa que constitui o seu objecto;
    3. Familiares: aqueles que têm por conteúdo a constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas familiares;
    4. Sucessórios: aqueles que têm por conteúdo a constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas sucessórias, e cuja eficácia se desenvolve no âmbito da instituição da sucessão por morte.
  5. Negócios Patrimoniais e Negócios não patrimoniais (pessoais): conforme o objecto negocial seja na sua essência patrimonial (v.g. o contrato de compra e venda) ou pessoal (v.g. a adopção);
  6. Negócios Onerosos e Negócios Gratuitos: conforme haja atribuição patrimonial unilateral ou bilateral (plurilateral);
  7. Negócios de mera administração e Negócios de disposição: conforme a sua gestão seja limitada ou mais abrangente.
  8. Negócios receptícios e Negócios não receptícios: sendo o negócio jurídico receptício aquele em que a manifestação da vontade de uma parte deve estar em consonância com a outra parte para que o negócio se constitua e produza efeitos. Há a necessidade de duas vontades dirigidas em sentidos opostos, ou seja, a vontade de uma parte deve ser direcionada à outra parte, que, por sua vez, deve recebê-la e manifestar suas intenções ao outro interessado, produzindo então o acordo de vontades; Já os negócios não receptícios são aqueles que se realizam com uma simples manifestação unilateral de vontade, não havendo a necessidade de seu direcionamento a uma pessoa específica para que se plenifique e produza efeitos.

Quanto aos negócios jurídicos devemos ter em conta os seus elementos essenciais:

  • Declaração de Vontade

Sabemos que a presença da vontade é característica básica na formação de qualquer ato jurídico. Porém, mister se faz a manifestação livre e consciente desta vontade, para que esta possa funcionar de maneira a expressar a verdadeira intenção do agente a respeito do negócio que está realizando. Caso isto não ocorra, caracterizam-se os chamados vícios da vontade, que podem ser: erro, dolo e coação

  • Capacidade das partes

Se a vontade é pressuposta essencial para a existência dos atos jurídicos, consequentemente, a possibilidade jurídica ou capacidade para manifestá-la também o será.

Dessa maneira, a vontade declarada por incapaz torna o negócio jurídico, a depender do grau da incapacidade (absoluta ou relativa), nulo ou anulável.

Isso não significa que os incapazes não podem figurar como sujeitos de uma relação jurídica negocial. Participam indiretamente de tais relações através de seus representantes legais, no caso dos absolutamente incapazes, ou de um assistente, quando se trata dos relativamente incapazes. Dessa forma, a representação é a forma de suprimento da incapacidade absoluta, sendo a assistência a maneira adoptada pelo direito para a proteção dos relativamente incapazes.

  • Licitude do objeto

Para que o negócio jurídico possa realizar-se de forma perfeita e eficaz, o direito, além de exigir a presença do consentimento e a capacidade das partes, pressupõe que a relação jurídica gire entorno de um objeto lícito, ou seja, tolerado pelo ordenamento jurídico e pelos bons costumes. De maneira que a presença de objeto ilícito é causa incontestável de anulação do negócio.

  • Idoneidade do objeto

Ainda nas considerações sobre o objeto da relação negocial, temos que, além de lícito, deve ser ele idôneo, ou seja, passível de figurar como centro de uma relação jurídica. Assim, o objeto cuja prestação for impossível de ser realizada tanto pelo devedor quanto por qualquer outra pessoa normal gera a nulidade do ato ao qual pertence.

  • Forma

A vontade, para que possa dar eficácia ao negócio jurídico colimado pelas partes, deve ser manifestada através de um meio determinado pela norma jurídica ou pelos próprios interessados. São solenidades ou ritos que devem ser seguidos para que a vontade deixe o âmbito subjetivo e passe a existir no mundo exterior ao indivíduo, gerando então efeitos jurídicos.

  • Simples Actos Jurídicos

Os Simples actos jurídicos podem ser classificados em:

  1. Quase-negócios jurídicos ou actos jurídicos quase negociais: traduzem-se na manifestação exterior de uma vontade;
  2. Operações jurídicas, actos materiais, reais ou exteriores: traduzem-se na efectivação ou realização de um resultado material ou factual a que a lei liga determinados efeitos jurídicos
  • Factos Jurídicos Involuntários

São os eventos estranhos ao processo de vontade, quer porque resultam de causas de ordem natural ou porque a sua eventual voluntariedade não tem relevância jurídica.

As Garantias

Como elemento final da relação jurídica encontramos a Garantia, ou seja, a protecção que a ordem jurídica confere para a não lesão, ou quando muito, satisfação dos interesses do sujeito activo, traduz-se também na possibilidade de recurso a força para a salvaguarda dos interesses já mencionados, ou para o cumprimento das obrigações do sujeito passivo.

Apesar de enfatizada, nessa figura, a salvaguarda dos interesses do sujeito activo, é de facto, no plano da obrigação do cumprimento dos deveres e sujeições a que o sujeito passivo está adstrito, que vemos a sua verdadeira materialização.

A garantia, nesse sentido de obrigação de cumprimento, traduz-se em duas modalidades abordadas pelo professor João Castro Mendes:

  1. Protecção coactiva: para evitar a lesão que se considere iminente de um direito ou interesse, v.g. a prisão preventiva;
  2. Realização coactiva:  a reparação de direitos ou interesses já lesados;

A esta matéria juntam-se as noções de responsabilidade civil e criminal, de que, todavia, não nos ocuparemos.

CONCLUSÃO

Como foi possível acompanhar, antes de percebermos os factos que materializam uma relação jurídica, é importante que se conheçam os elementos que a constituem.

Esses elementos vão assumir diferentes formas conforme a perspectiva em análise, podendo ser ao nível do conteúdo da relação, da estrutura da relação, ou ainda do conteúdo dos elementos da estrutura relacional. Dessa forma podemos também concluir, se daí, podemos falar em relação jurídica, ou alguma figura afim, no caso, situação jurídica.

Ao nível do tema várias questões foram alvos de remissão para obras mais completas, pois pela especificidade que algumas matérias exigem, implicaria um estudo mais autónomo que esgotaria a nossa competência, enquanto sujeitos orientados a fazer uma abordagem sobre uma teoria geral da Relação Jurídica.

Podemos dizer que na sua generalidade conseguiu-se cumprir os objectivos definidos, pelo que nos resta fazer a recomendação, no fim deste trabalho da bibliografia utilizada para a sua elaboração, a fim de permitir que o caro leitor posso melhor se aprofundar nos conteúdos abordados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERNANDES, Luís Alberto Carvalho – Teoria Geral do Direito Civil. 6ª ed. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2012, 760 p. ISBN 978-972-54-0361-7

JUSTO, António dos Santos – Introdução ao Estudo do Direito. 6ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2012, 427 p. ISBN 978-972-32-2085-8

MENDES, João de Castro – Introdução ao Estudo do Direito. Lisboa: Paulo Ferreira, 1997, 280 p.

PINTO, Carlos Alberto da Mota – Teoria Geral do Direito Civil. 4ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, 689 p. ISBN 972-32-1325-7

SILVA, Carlos Alberto Bravo Burity Da – Teoria Geral do Direito Civil. 2ª ed. Luanda: FD-UAN, 2014, 697 p.

Legislação Utilizada

C.C. – Código Civil Angolano de 1966

C.F. – Código da Família (Lei nº 1/88 de 20 de Fevereiro) 

Lei das Sociedades Comercias, lei n.º 01/04 de 13 de Fevereiro

Escrito por

Balctor Mendonça

Balctor de Mendonça é um jovem estudante de Direito, e amante do ecossistema Digital, que procura a todo o custo desenvolver o ambiente tecnológico na sua região aproveitando as suas valências.