Tutela e Curatela em Roma - Indice Juridico

Autores: Ana Tchimbaya e Estevão André.

Suporte acadêmico: Faculdade de Direito da Universidade Mandume Ya Ndemufayo

Introdução

A tutela e a curatela são poderes sobre pessoas que, embora sejam “sui iuris“, não têm capacidade de entender e de querer, considerada necessária à administração dos seus patrimónios. Esta incapacidade pode ser total ou parcial e fundar-se na idade, no sexo, na enfermidade mental ou na tendência para a dilapidação dos bens.

Relativamente aos impúberes, Servius definiu a tutela como “a força e o poder, concedido e permitido pelo direito civil sobre um indivíduo livre para proteger quem, pela sua idade, não se pode defender espontaneamente” (é, no entanto, provável que se trate de uma definição interpolada).

Capítulo I -Tutela e Curatela no Direito Romano

Inicialmente, a tutela não tinha autonomia: era atributo da “manus” e da “patria potestas“, como resulta do facto de não haver denominação especial que a distingue-se destes poderes. “Paterfamilias” e “tutor” eram a mesma pessoa e a “potestas” sobre os impúberes e mulheres era, tão-só, um aspecto da “potestas” geral e unitária do “paterfamilias”.

Todavia, mais tarde a família desagregou-se e as mulheres e os impúberes ficaram numa situação delicada: gozam de capacidade de gozo, mas não lhes era reconhecida a capacidade de agir. Numa primeira fase, a tutela era ainda vista como um direito do tutor que provavelmente será herdeiro do pupilo; depois, a partir do século II a.C. , tornou-se um dever (munus) e encargo (onus) que o tutor devia exercer no interesse do pupilo.

Quanto à curatela, terá sido criada na época da Lei das XII Tábuas para os dementes e pródigos e visava exclusivamente a gestão ou administração do património do incapaz. Enquanto a tutela se ocupava da gestão do património dos infantes e da assistência e cooperação do tutor nos actos jurídicos celebrados pelo infante maior, a curatela tinha por objecto a gestão ou administração do património. Daqui, a máxima segundo a qual “o tutor é dado para a pessoa não para uma coisa ou causa”. No entanto, esta máxima deve ser entendida com reservas, porque também o curador é nomeado para uma pessoa.

Todavia, a tutela e a curatela aproximaram-se progressivamente, chegando quando a confundir-se no direito justinianeu.

Tutela

1.1.Tutela dos impúberes

A tutela dos impúberes pode ser constituída por testamento (tutela testamentária), por determinação da lei (tutela legítima) e por nomeação do magistrado (tutela dativa). Esta ordem assinala também uma referência:

  • Somente se passa à tutela legítima se faltar a testamentária; e não haverá lugar para a tutela dativa se as outras forem possíveis. Com efeito, a tutela testamentária está ligada à forte tradição romana de o “paterfamilias” escolher quem o substituirá nas suas funções de acompanhamento dos filhos;
  • A tutela legítima é concedida aos presumíveis herdeiros “para que estes, que esperam esta sucessão, cuidem de que os bens não sejam dilapidados”, observa Ulpianus;
  • E a tutela dativa surgiu para remediar a ausência das tutelas testamentária e legítima.

1.1.1. Tutela testamentária

A tutela testamentária ocorre quando, no seu testamento, o “paterfamilias” de um “impúber”, mesmo póstumo, lhe designa, em forma imperativa, um tutor que pode ser cidadão romano, latino e até um “filiusfamilias” mesmo “impúber”, embora, nesta hipótese, só possa desempenhar suas funções quando se torne “púber”: durante esse tempo, dever-se-á nomear um tutor suplente.

A pessoa nomeada torna-se tutor automaticamente, no momento em que o testamento comece a vigorar, sem necessidade de aceitação nem de confirmação da autoridade. Por isso, pode renunciar livremente à tutela e ser removido mediante acção pública (accusatio suspecti tutoris).

O direito justinianeu permite que a mãe, no caso de instituir herdeiro um filho, lhe nomeie tutor sem necessidade de confirmação, e concedeu ao magistrado a faculdade de confirmar a nomeação do tutor nas seguintes hipóteses:

  • Feita pelo “pater” ao filho deserdado e mediante prévia investigação (previa inquisitio);
  • Pelo tio paterno;
  • Talvez também pelo avô materno e parentes próximos;
  • Pelo patrono e por um estranho.

Reconheceu também ao “pater” natural (genitor) a faculdade de nomear tutor aos filhos naturais, desde que lhes tenha feito uma doação ou deixado bens em testamento. Esta nomeação deve ser confirmada pelo magistrado, depois de investigação prévia. De igual faculdade goza um estranho, sujeita aos mesmos requisitos:

  • Ter instituído herdeiro o “impúber”;
  • E confirmação pelo magistrado.

Não se pode constituir tutor testamentário só para certa “res” (ou causa) nem exceptuando determinadas coisas. Mas reconheceu-se a constituição de tutor para bens situados numa determinada zona geográfica, v.g. em África ou na Síria.

1.1.2. Tutela legítima

A tutela legítima é atribuída pela Lei das XII Tábuas ao “agnatus proximus” e na falta de “gentiles“. Não pode ser tutor quem não seja cidadão romano, “sui iuris” e “pubes“.

O chamado é automaticamente investido no momento em que a sua necessidade surgir e, por isso, não é necessário o acto de aceitação nem pode renunciar nem ser removido, embora se possa ceder através de “in iure cessio” faculdade que se extinguiu na época clássica na introdução do regime “excusatio“.

Desaparecidos os agnados e os “gentiles“, a tutela legítima continuou a gerir a ordem sucessória, acompanhando a sua evolução. Assim, no Baixo-Império, o Imperador Anastácio deu preferências aos irmãos emancipados sobre os agnados; e Justiniano chamou os cognados.

É também legítima a tutela dos patronos (tutela patronum) criada pela “iurisprudentia” com base na relação entre a tutela e a herança: porque segundo a Lei das XII Tábuas, o patrono e filhos são sucessores “ab intestato” do liberto, os jurisconsultos admitiram que seriam chamados à tutela do liberto “impuber“.

1.1.3. Tutela dativa

A tutela dativa, cuja denominação é justinianeia, ocorre quando o tutor é nomeado pelo magistrado (o pretor urbano; depois, os cônsules, o pretor especial e provavelmente o corpo de juízes da classe sanatorial, na Itália), depois da investigação prévia, na falta de tutor testamentário e de tutor legítimo.

Esta modalidade assinala a nova função protectora que a tutela passou a desempenhar, por isso, o “impúber” não pode ser tutor, nem (nos primeiros tempos) a mulher, porque, refere Gaius, “a tutela é, a mais das vezes, ofício viril”. O tutor não pode renunciar nem cedê-la, embora, na época clássica, pode obter a “excusatio” invocando circunstâncias de natureza pessoal ou pública e pedir a sua substituição por pessoa mais idónea.

No direito justinianeu, a competência para nomear o tutor pertence ao “praefacfus urbi” ou ao pretor, em Roma; e, nas províncias, aos governadores, aos magistrados locais e aos bispos se os bens do pupilo não ultrapassarem quinhentos áureos; se excederem, os magistrados locais carecem de autorização do governador.

Qualquer pessoa pode pedir a nomeação de tutor, sendo obrigados:

  • Os magistrados municipais (devem fazer a proposta ao governador da província a que pertencem);
  • A mãe, sob pena de perder a sucessão dos bens do filho e, mais tarde, incorrer na nota de “infâmia” e a incapacidade de testar e doar;
  • Os herdeiros presumidos do “impúbere”;
  • E os libertos do seu “pater“.

O direito justinianeu permite que se junte um segundo tutor (dito extraordinário) em vários casos:

  • Porque aumentou o património pupilar durante a tutela;
  • Porque o tutor se tornou suspeito e pretende-se evitar, por motivos especiais, a sua remoção;
  • Por excessiva pobreza do tutor que não ofereça necessária garantia;
  • Quando o tutor escreveu o seu nome como tutor no testamento do “paterfamilias”;
  • Quando o tutor legítimo é inidóneo.

Há, finalmente, a possibilidade de recorrer a um tutor especial para determinadas situações, por exemplo, num processo judicial entre o tutor e o pupilo (há textos em que o tutor é substituído por curador).

1.1.4. Tutela fiduciária

A tutela fiduciária é adquirida, ipso iure, por quem manumite, para emancipação, um filho, filha, neto ou neta que se encontra in “mancipio“.

Trata-se, duma tutela considerada meramente figurativa e constituem exemplos, no direito clássico e na fase de emancipação por que passava um filho, filha, neto ou neta, a manumissão da mulher para sair da gravosa tutela agnatícia ou patronal. Falecido o tutor, a tutela transmite-se aos seus filhos.

Leia  Sistema Constitucional Angolano, um estudo cronológico do desenvolvimento do sistema constitucional angolano.

Abandonado o velho formalismo da emancipação e extinta a tutela das mulheres, a tutela fiduciária perdeu o seu sentido e foi abolida no direito justinianeu.

1.2. Incapacidades

Com a sujeição da tutela a uma finalidade protectiva, ou seja, quando a tutela deixou de ser um direito para se tornar um “officium onus“, o tutor deve actuar no interesse do pupilo e, por isso, além de dever ser livre e cidadão, deve ser também pessoa idónea.

No direito justinianeu são considerados incapazes do exercício de tutela, os seguintes:

  • Os escravos, salvo se nomeados no testamento (entende-se que esta nomeação implica a concessão tácita da liberdade);
  • As mulheres, excepto a mãe ou avó, na condição de não contraírem segundas núpcias e renunciarem ao seu benefício do “sc. Vellianum” (segundo este sc. era válido, mas ineficaz, o negócio jurídico em que a mulher garantisse dívidas de homens;
  • Os dementes, surdos, mudos, cegos e doentes graves e crónicos. No entanto, o demente “furiosus” pode assumir a tutela se recuperar a sanidade mental;
  • Os menores de vinte e cinco anos;
  • Quem for excluído por acto de última vontade de “pater” ou “mater” do pupilo;
  • Quem se oferecer para exercer a tutela, pagando dinheiro;
  • O inimigo do pupilo os dos seus ascendentes;
  • O soldado em exercício activo, salvo se for filho de um companheiro de armas;
  • Os bispos, frades e monges (são capazes do exercício da tutela em relação a parentes os padres, diáconos e subdiáconos);
  • Os devedores e credores do pupilo, com excepção da mãe e da avó.

1.3. Escusa

A escusa da tutela (excusatio) é a possibilidade de obter a dispensa do ofício de tutor com base num motivo justificado.

Esta figura, que nasceu no âmbito da tutela dativa, foi estendida a partir do Imperador Cláudio, à tutela testamentária, quando um sc. Concedeu ao magistrado a faculdade de substituir o tutor que a tivesse pedido. E, finalmente, o direito justinianeu estendeu-a à tutela legítima. Doravante, a “excusatio” é possível em qualquer espécie de tutela.

As causas, que a podem justificar, agrupam-se nas seguintes categorias:

  • Razões pessoais: idade (setenta anos ou mais); pobreza extrema, fracas condições de saúde, cuja gravidade não determina a incapacidade; falta de cultura e analfabetismo; inimizade ou vexação; vivência em província diferente daquela onde a tutela deve ser exercida; litígio grave com o pupilo, por exemplo, controvérsia sobre o seu estado, herança e todos ou a maior parte dos bens.
  • Encargos de ordem privada: ter, no momento da nomeação, três filhos em Roma, quatro em Itália ou cinco nas províncias (não contam os filhos adoptados); ter o encargo de três tutelas ou curatelas (o pater pode contar, para obter a excusatio, com a tutela gerida por um filho sujeito à sua patria potestas).
  • Encargos de ordem pública: ausência por causa pública, mesmo depois de um ano do regresso; investidura numa magistratura mesmo municipal, numa “cura” pública ou num cargo elevado da corte; membro do “consilio principis“, administrador dos negócios do príncipe ou do fisco: ser bispo ou monge.
  • Por mero privilégio, podem pedir a excusa da tutela: os veteranos, excepto os companheiros de armas; os atletas coroados; os gramáticos, retóricos, filósofos, médicos, jurisconsultos, em Roma e nas cidades onde exercem as suas actividades, desde que aí inscritos (os poetas não podem pedir excusa).

Ademais, não podem pedir a “excusatio” quem tenha: prometido ao “paterfamilias” do pupilo que assumiria a tutela; escrito a disposição testamentária em que é nomeado tutor; aceitado um legado deixado pelo testador.

1.4. Funções

As funções do tutor dependem da “infantia” do pupilo. Se for “infans“, ou seja, incapaz de entender e de querer, o tutor deve suprir a sua incapacidade, assumindo a gestão do património do pupilo. Se já saiu da “infantia” (fala-se de infantia maior: é-lhe reconhecida certa capacidade de agir, mas precisa de autorização do tutor presente no acto) e, portanto, tem uma capacidade limitada de entender e de querer, o tutor deve dar o seu consentimento aos actos realizados pelo impúbere: dir-se-á que completa a deficiente capacidade do impúbere.

Importa, no entanto, precisar o âmbito destas actuações:

  • Gestão de negócios (negotiorum gestio);
  • Autorização para o pupilo praticar actos jurídicos “auctoritas interpositio“.

1.5. Responsabilidade

A responsabilidade do tutor conheceu uma evolução, em que podemos assinalar duas fases: antes e depois da acção de tutela “actio tutelae“, que se atribui nos últimos anos da República. Assim, destacamos:

  • Na primeira fase, a Lei das XII Tábuas concedia, contra o tutor “a actio suspecti tutoris” (era uma acção popular, penal, com a nota de “infamia” e proporcionava o afastamento do tutor suspeito de actuar dolosamente) e a “actio rationigus distrahendis” (era uma acção penal que se intentava contra o tutor legítimo que tivesse subtraído alguma coisa ao património do pupilo. Substituía a “actio furti” porque, actuando como proprietário “domino loco“, o tutor não cometia furto), expedientes ligados ao conceito arcaico de tutela: o tutor só respondia em situações bem definidas que, no entanto, não compreendiam a má gestão;
  • Na segunda fase, o tutor responde também por má administração dos bens pupilares: é obrigado a prestar contas e, por danos causados ao pupilo, pode ser demandado pela acção de tutela “ actio tutelae” que é de boa fé, produz a “infamia” e só pode ser intentada no termo da tutela. O tutor é obrigado a fazer um inventário dos bens do pupilo e a sua responsabilidade depende da “culpa in concreto“. E, ainda na época clássica, o tutor legítimo deve prestar uma “cautio“, através da qual garante a obrigação de não dilapidar ou reduzir os bens do pupilo (os tutores testamentários e dativos não eram obrigados a prestar a “cautio“, por se considerar que a sua nomeação, respectivamente pelo “pater” e pelo magistrado, oferecia garantias suficientes à gestão).

Entretanto, o pupilo goza de posição privilegiada em relação aos credores do tutor: primeiro, uma “constitutio” dos Imperadores Severo e Caracala concedeu-lhe uma hipoteca sobre as coisas compradas com o seu dinheiro; depois, a partir de Constantino, dispõe de uma hipoteca legal geral sobre os bens do tutor; e, no direito justinianeu, tem a faculdade de reivindicar os bens adquiridos pelo tutor com o seu dinheiro, como se tivessem sido adquiridos por ele.

Quanto aos créditos do tutor sobre o pupilo (oriundos de despesas ou da assunção de obrigações no interesse do pupilo), assinala-se a possibilidade de este ser demandado com a “actio negotiorum utilis” e com a “actio tutelae contraria“, respectivamente, nas épocas clássica e justinianeia. Junta-se a faculdade de fazer valer os seus direitos opondo, em via de excepção, a compensação à “actio tutelae” intentada pelo pupilo.

Ainda na época clássica, o “edictum” do pretor previu o caso de alguém que, não sendo tutor, agisse de boa ou de má fé perante terceiros como se o fosse, realizando actos de gestão patrimonial sobre os bens do pupilo (alguém foi nomeado tutor em testamento nulo ou revogado e ignora o vício ou a revogação; ou julga que é parente próximo, quando há outros mais próximos). Neste caso, que os jurisconsultos clássicos denominam “protutela“, não há alguma relação de tutela e, por isso, os actos praticados são nulos.

Todavia, o pupilo tinha, na época clássica, a “actio negotiorum gestorum” contra esse tutor, acção que, no direito justinianeu, assumiu a figura de “utilis actio protutelae“, análoga à “actio tutelae”. Por sua vez, o protutor podia demandar o pupilo com a “actio negotiorum gestorum contraria” que, no direito justinianeu, assumiu a figura de “contrarium iudicium tutelae“.

Quanto a terceiros que, de boa fé tenham realizado negócios com o protutor, dispunham de uma “restitutio in integrum“, que os desfazia. Tratando-se de “falsos tutor” de má fé, o terceiro goza de uma acção para ser indemnizado, que prescreve no prazo de um ano e não se pode intentar contra os herdeiros.

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1.6. Extinção

A tutela termina com a morte do pupilo, com a “capitis deminutio” (mesmo minima) em que tenha incorrido e com a sua chegada à puberdade. Cessa também o ofício do tutor com a sua morte ou “capitis deminutio” (minima ou media).

Cessa igualmente com a verificação da condição ou do termo resolutivo a que se tenha sujeitado; e por incapacidade superveniente e excusa (excusatio) nos casos em que é admitida.

1.7. Tutela das mulheres

No antigo Direito Romano, a mulher “sui iuris” estava sujeita à tutela dos impúberes (tutela impuberum) se fosse impúbere, e à especial e perpétua tutela (tutela mulierum) quando alcançasse a puberdade. Constituem excepção, prevista na Lei das XII Tábuas, as vestais.

Como justificação da “tutela mulierum” invocava-se a fragilidade, a ligeireza de espírito e a ignorância dos assuntos forenses. No entanto, estas razões eram abertamente contestadas na época clássica como se observa em Gaius: “o que vulgarmente se crê de que geralmente são enganadas pela ligeireza do seu espírito (…) é uma razão mais aparente do que verdadeira, pois as mulheres adultas tratam dos seus negócios por si mesmas e há casos em que o tutor interpõe a sua autoridade por mero formalismo e frequentemente, forçado pelo pretor, também autoriza actos contra a sua vontade”. Acresce que se refere ainda Gaius, “entre os estrangeiros … as mulheres não estão sobre tutela”.

1.7.1. Modalidades

Como na tutela dos impúberes, também a tutela das mulheres pode ser testamentária, legítima ou dativa.

Na primeira, o tutor é designado no testamento de quem tinha a mulher sob a “patria potestas” ou a “manus” e pode recusar “abdicatio“. Na segunda, o tutor é o “adgnatus” e, na sua falta, o “gentilis” ou o “manumissor” em seus filhos.

O tutor legítimo, que pode ser impúbere, demente e surdo-mudo (porém, nesses casos a mulher deve pedir ao magistrado que nomeie um tutor sempre que pretenda realizar algum acto jurídico. Estamos agora perante a tutela dativa), poder ceder a tutela a terceiro mediante “in iure cessio“.

Na terceira, a que recorre na ausência de tutor testamentário ou legítimo, a mulher pode pedir ao magistrado que nomeie o seu tutor, devendo a pessoa nomeada estar presente no acto que pretende realizar e consentir.

1.7.2. Funções

Diferentemente do que sucede na tutela dos impúberes, o tutor não se ocupa da gestão de negócios, porque a mulher “sui iuris” e púbere administra os seus bens.

Cabe-lhe somente interpor a sua “auctoritas” nos actos particularmente importantes previstos no direito civil, realizados pela mulher, por exemplo, celebrar  a “conventio in manum” através de “coenptio” intentar uma acção da lei (leges actio) ou “legitimum iudicium“; aceitar uma herança; alienar uma “res mancipi“; realizar a “in iures cessio“, uma “manumissio” solene, constituir dote, fazer testamento.

A autorização do tutor é dispensada em determinados actos, como: alienação de “res nee mancipi“, a aquisição da posse, a constituição de procurador, o recebimento de um crédito.

1.7.3. Evolução

Sem base para se transformar num dever, a tutela das mulheres estava condenada a desaparecer e, por isso, compreende-se que a sua história seja a da sua dissolução. Haja em vista também a crítica de Cícero de que os tutores estão mais sujeitos à vontade das mulheres do que estas à sua “auctoritas”.

Num primeiro momento, os usos permitiram aos maridos, titular da “manus” sobre as mulheres, que, nos seus testamentos lhes concedessem a faculdade de escolherem os tutores “tutores optivi” para todos ou algum tipo de negócios que pretendessem realizar.

Depois, a “iurisprudentia” imaginou a possibilidade de se recorrer à “fiducia cum amico“: celebrando a “coenptio“, a mulher ficava “in mancipio” duma pessoa da sua confiança que, por efeito de um “pactum” dito “fiduciae“, se obrigava a vendê-la simbolicamente “mancipatio” a quem a mulher escolhesse. E, feita a “mancipatio“, o adquirente ou pessoa escolhida pela mulher libertava-a do seu poder “manumissio vindicta“, tornando-se fiduciário.

Entretanto, a “lex Iulia et Papia Poppaea” (do Imperador Augusto) concedeu a isenção de tutela às mulheres mães de três e de quatro filhos, se fossem, respectivamente, ingénuas e libertas: trata-se do direito de filhos (ius liberorum) que, por efeito duma “constitutio” de Honório e Teodósio, do ano 410, foi estendido a todas as mulheres independentemente da proler.

Por outro lado, se o tutor legítimo recusasse interpor a sua “auctoritas “, podia ser obrigado pelo magistrado, mesmo sem razões de peso. Por isso, o seu poder ficou reduzido a um puro formalismo.

Restava a extinção formal, cuja data se ignora. Sabemos que ainda é referida em dois “edicta” de Diocleciano, do ano 293 ou 294, e que é ignorada na legislação de Constantino. Doravante, fala-se de pupilas “pulilae” e de mulheres de menor idade, sujeitas à tutela dos impúberes. Entretanto, emergiu um novo instituto que consiste na “quase tutela” do marido e do filho púbere sobre a mãe, mas Justiniano afastou-o, reafirmando a independência da mulher.

2. Curatela

A curatela “cura, curatio” é uma figura jurídica destinada a proteger quem, sendo “sui iuris” e gozando de capacidade jurídica de gozo, não tem capacidade de agir ou só a tem limitadamente. Por isso, recorre-se a um terceiro, “curator“, que torna possíveis as relações jurídicas de que aquele é ou pode ser titular.

Como sucedeu com a tutela, também a “cura” foi exercida no antigo Direito Romano, em benefício do curador que era agnado mais próximo e, por isso, presumido herdeiro da pessoa incapaz.

Criada, segundo parece, na época da XII Tábuas, para dementes e pródigos, a curatela compreende vários institutos e cumpre uma finalidade ora pessoal “cura furiosi” ora patrimonial “cura prodigi” e “cura minorum”.

2.1. Cura Furiosi

A “cura furiosi” é a mais antiga e, provavelmente introduzida pelos costumes e “mores“, está consagrada na Lei das XII Tábuas. Nas palavras de Gaius, o demente (furiosus, insanos, fatuus, lunaticos ou mentecaptos) “não pode realizar negócios porque não entende o que faz”. Portanto, é considerado incapaz de agir, como o infante.

Bastava simples manifestação da loucura e, por isso, não se exigia a interdição do magistrado, como ocorre na “tutela prodigi“.

Não há curatela testamentária, mas se, em testamento, o “paterfamilias” nomeasse um curador ou “filiusfamilias” demente, o pretor podia confirmá-lo. E, no direito justinianeu, a curatela legítima foi substituída pela curatela dativa, sendo, doravante, todos os curadores dativos.

Na época clássica discutiu-se se, durante os intervalos lúcidos, o “furiosus” pode realizar validamente actos jurídicos. Por exemplo, fazer testamentos ou contrair matrimónio. Justiniano dispôs que a curatela suspende-se durante os momentos lúcidos, recomeçando “ipso iure” quando a loucura voltar a manifestar-se.

O curador deve cuidar da pessoa do “furiosus” e administrar o seu património. Ou seja, desempenha a função de gestão e, por isso, deve:

  • Elaborar um inventário dos bens do “furiosus”;
  • Fazer juramento de que fará uma gestão correcta;
  • E prestar contas. Não lhe cumpre impor a sua “auctoritas”, que é característica da tutela, porque o demente não pode dispor do seu património.

No exercício da sua gestão, o curador goza de amplos poderes, mas não pode realizar actos estritamente pessoais, dispor de bens a título gratuito, nem fazer “manumissiones“. Mais tarde sofreu as mesmas limitações impostas à tutela dos impúberes, como a proibição de alienar bens imóveis.

Finalmente, sendo o curador um gestor pode ser demandado com a “actio negotiorum gestorum”.

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2.2. Cura Prodigi

A figura da cura do pródigo (cura prodigi), que terá sido introduzida também pelos costumes, é referida na Lei das XII Tábuas e recai sobre os pródigos: pessoas declaradas incapazes de dispor livremente do seu património, por terem a tendência para a realização de gastos inconsiderados, dilapidando-o com prejuízo dos seus futuros herdeiros.

No entanto, o pródigo deve ser formalmente interdito “interdicto bonorum” por decreto do magistrado que proíbe o “commercium“.

Como na “cura furiosi”, também a “cura prodigi” é atribuída aos “adgnati” e, na sua falta, aos gentiles. A esta cura legítima juntou-se, depois, a cura dativa dada pelo pretor ou governador da província, mais tarde, admitiu-se que o “paterfamilias” podia designar um curador que, no entanto, era nomeado pelo pretor depois do “decretum” de interdição.

No direito justinianeu, a cura testamentária ocupa o primeiro lugar, seguindo-se a cura legítima e a cura dativa. No entanto, as primeiras devem ser confirmadas pelo magistrado.

O pródigo não é considerado totalmente incapaz: pode realizar validamente actos que melhorem a sua condição patrimonial, mas não os que piorem essa condição. Pode contrair matrimónio, mas não fazer testamento porque não goza do “ius commercii“.

A administração do curador do pródigo foi configurada sob a figura de gestão de negócios. Por isso, contra e a favor do curador, o pretor concede a “actio negotiorum gestorum”, respectivamente directa e contrária.

A “cura prodigi” cessa com a morte do pródigo ou com o retorno “ad sanos mores“, embora dependesse, provavelmente, de um acto do  magistrado que revogasse o seu “decretum” de interdição.

2.3. Cura Minorum

Até ao século II a.C., o cidadão romano “sui iuris” e púbere tinha capacidade de agir. Somente as mulheres “sui iuris” estavam sujeitas à tutela perpétua. Dir-se-á que, nesses tempos, em que a sociedade romana estava pouco evoluída, a inexperiência de quem atingia a puberdade era protegida pelo escasso número de negócios em que participasse e pela sua publicidade.

Porém, a sociedade evoluiu e, no ano 191 a.C., a “Lex Plaetoria” (ou, mais frequentemente, “Laetoria“) introduziu, em Roma, um “iudicium publicum” e uma acção privada denominada “actio legis Laetoriae”, contra quem, numa relação patrimonial, tivesse enganado um púbere “sui iuris” com menos de vinte e cinco anos “aetas legitima“, colhendo vantagens da sua inexperiência, embora sem realizar acto propriamente doloso.

Mais tarde, no processo das fórmulas “agere per formulas“, o pretor concedeu ao menor a “exceptio legis Laetoriae“, através da qual podia ser absolvido na acção em que fosse demandado. E, ainda nos finais da República, o menor podia, no prazo de um ano após a data em que concluísse vinte e cinco anos, solicitar ao pretor uma “restitutio in integrum ab aetatem“, na qual, alegando ter sido prejudicado por causa da sua inexperiência, se desfazia o correspondente jurídico.

Perante o risco de os negócios serem destruídos, quem desejasse fazer um negócio jurídico com um desses menores passou a exigir que fosse assistido por um curador, nomeado caso a caso “curator ad certam causam” pelo magistrado, em regra a pedido do próprio menor e cuja presença servia para mostrar a ausência de engano ou prejuízo.

E, mais tarde, Marco Aurélio concedeu aos menores a faculdade de pedirem ao magistrado em Roma, o pretor; nas províncias, o governador) que nomeasse um curador permanente que veio substituir o curador nomeado para cada caso. Este curador foi considerado um continuador do “tutor impuberis“, com funções e responsabilidade concentradas na administração do património do menor e o consenso que prestasse tornava a “restitutio in integrum” inaplicável, oferecendo à contraparte a garantia de estabilidade do negócio efectuado.

Entretanto, no ano 274 o Imperador Aureliano concedeu ao menores púberes “sui iuris”, maiores de vinte anos (homens) e de dezoito anos (mulheres), a faculdade de pedirem ao Imperador a concessão da “venia aetatis“: a capacidade de realizarem negócios jurídicos, excluindo doações e alienações de imóveis e objectos preciosos, sem poderem solicitar a “restitutio in integrum”. Este novo instituto foi acolhido e disciplinado por Constantino, no ano 321 e mantém-se no direito justinianeu que, no entanto, faz depender a sua concessão da boa conduta do menor interessado, aferida pelos bons costumes.

No direito justinianeu, os menores de vinte e cinco anos estão obrigatoriamente sujeitos à curatela e o “curator” é um administrador estável. Pode ser nomeado pelo “pater” do menor no seu testamento, nomeação sujeita à confirmação do magistrado; pela “mater” depois de apreciação; pelo menor, desde que confirmado pelo magistrado; e por este que, via de regra, o escolhe dentro dos parentes do menor

O mesmo direito equiparou os “curatores” aos “tutores”, aplicando aqueles as normas que disciplinam a tutela. Assim, os curadores também administram os bens dos menores; estes podem realizar validamente negócios jurídicos desde que a sua vontade seja acompanhada do consenso do curador que pode ser prestado depois do acto realizado pelo menor. E o mesmo sucedeu em relação às “excusationes“, à remoção do curador, à garantia da gestão e à proibição de alienar os “fundi” rústicos.

Enquanto gestor, o curador pode ser demandado pelo menor com a “actio negotiorum gestorum”; e pode demandá-lo com o “contrarium iudicium negotiorum gestorum” para ser ressarcido dos gastos.

Finalmente, e em conclusão desta longa evolução por que passou a “cura minorum”, afirmou-se o princípio de que o menor de vinte e cinco anos é incapaz de agir.

Conclusão

Portanto, a pessoa pode ter capacidade de direito, mas não tê-la de facto, de maneira absoluta ou relativa. Diz-se, então, incapaz para todos ou certos actos da vida civil, faltando-lhe as condições necessárias para estar pessoalmente em juízo ou zelar por seus direitos.

A incapacidade deriva da idade ou da situação particular do indivíduo. No primeiro caso, se a pessoa conta menos de 16 anos, é totalmente incapaz; se tiver entre 16 e 21 anos, ela o é apenas relativamente; no segundo, encontram-se os loucos de todo o género, os surdos-mudos que não puderem expressar a sua vontade e os pródigos. Em tais casos, os menores de 21 anos são postos em tutela e os demais sob curatela, impondo ambos os institutos um “munus”, encargo, aos tutores e curadores.

Em outras palavras, aplica-se a curatela aos maiores sem condições para reger os próprios actos da vida civil, e a tutela aos menores, tanto púberes quanto impúberes. Estes são os que não atingiram ainda a idade para casar (14 anos para a mulher e 15 para o homem) e aqueles os que estão acima dessas idades.

Esse é o conceito moderno. Convém ressaltar, por outro lado, que não se deve confundir a tutela com a guarda de menor que tão-somente obriga o responsável à prestação de assistência material, moral e educacional a ele. A tutela pressupõe a perda do pátrio poder, o que não ocorre com a guarda.

Em Roma, inexiste o problema de maioridade. O “filiusfamilias” sujeito ao pátrio poder, é direito alheio, sem direito próprio, facto que perdura até à morte do pai (chefe), único de direito próprio, ou, excepcionalmente, quando sofre este uma diminuição da sua capacidade. Libertado do poder paternal, o filho adquire o direito próprio; entretanto, se é mulher ou homem menor de 14 anos, é colocado sob tutela.

Desta forma, a tutela e a curatela recaem sempre sobre pessoas de direito próprio porque os de direito alheio, jamais tendo direito próprio, ficam naturalmente na dependência do chefe da família.

Referências Bibliográficas

JUSTO, A. Santos (2010). Breviário de Direito Privado Romano. Coimbra: Coimbra Editora.

LUIZ, Antônio Filardi (1999). Curso de Direito Romano. São Paulo: Editora Atlas.

https://wikipedia.org/capacidade-juridica-em-Roma

Escrito por

Estevão André

Estudante de Direito