Autores: Apocalipse Carlos, Jolisto Kandongui, Luísa Rodrigues e Teresa Canhanga.
Suporte acadêmico: Faculdade de Direito da Universidade Mandume Ya Ndemufayo
Resumo
A República de Angola é um Estado democrático e de direito, cujo fundamento assenta na soberania popular ou, se quisermos, sujeito a vontade geral das pessoas, não conhecendo outro poder legítimo, igual ou superior a este, dentro das suas fronteiras. Contudo, esse Estado subordina-se a Constituição e funda-se na legalidade.
Todavia, a actual Constituição da República de Angola de 2010, aprofunda o programa político-Constitucional da segunda República (1991/92-2010), correspondendo a sua plenitude, além de ter reorientado o sistema de governo no sentido da consagração do presidencialismo. São matérias fundamentais do Constitucionalismo angolano, observando o texto constitucional vigente, os princípios de um Estado de direito, republicano, unitário, democrático e social.
Palavras-chaves: princípios estruturantes, Estado de Direito, Estado democrático, fundamentais, liberdades, garantias.
Introdução
Angola ascendeu à independência no dia 11 de Novembro de 1975 como República Popular, sob a forma de um regime político socialista.
Este regime político, que se caracterizava por ser monopartidário, autocrático e de economia planificada (Lei Constitucional de 1975) deu lugar, em 1992 ( com a Lei Constitucional de 1992,lei n. °23/9, de 16 de Setembro), a um novo regime político democrático, iniciando-se um longo processo de transição democrática.
A Lei Constitucional de 1992 consagrou, no seu artigo 2.°, a República de Angola como “um Estado democrático de direito que tem como fundamentos a unidade nacional, a dignidade da pessoa humana, o pluralismo de expressão e de organização política e o respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do homem, quer como indivíduo, quer, como membro de grupos sociais organizados.”
A Constituição de 2010 reafirmou esta opção democrática de regime político e instituiu-se um país com características que o colocam, por um lado, como país integrante da comunidade jurídica internacional dos Estados Democráticos de Direito, como país africano, e que, por outro lado, possui a sua própria identidade.
Um Estado Democrático e de Direito é aquele em que o poder do Estado é limitado pelos direitos dos cidadãos. Sua finalidade é coibir abusos do aparato estatal para com os indivíduos. Os direitos fundamentais conferem autonomia e liberdade aos indivíduos nas suas actividades quotidianas e limitam os poder do Estado sobre elas.
Angola pode, assim, ser definida como um país que tem como elementos caracterizadores os seguintes:
Soberania e Independência (art. 1.° C.R.A.), Defesa da dignidade da pessoa humana (art.1.° C.R.A.), Estado democrático de Direito (art.2.°C.R.A.), Estado unitário (art.8.° C.R.A.), Estado laico (art.10.°C.R.A.).
O Estado Democrático de Direito tem como características próprias que o distinguem de outros tipos de Estados. Este tipo de Estado funda-se em dois grandes princípios que são o Estado de Direito e o Princípio democrático, que, por sua vez têm determinados pressupostos carecterizadores.
Capítulo I – Estado Democrático de Direito
O Estado Democrático de Direito é regido pelos princípios do Estado de Direito e pelos princípios do Estado Democrático, e cada um destes alberga outros “subprincípios”, a saber:
O Princípio de Estado de Direito integra: o princípio da Constitucionalidade, o princípio da Juridicidade, direitos fundamentais, o princípio da separação de poderes e independência dos tribunais e a garantia da administração autónoma local.
O Princípio Democrático integra: o princípio da soberania popular, o princípio da representação popular e o direito ao sufrágio.
1.1. Princípios do Estado de Direito
a) O princípio da Constitucionalidade
Este princípio pressupõe que um Estado de Direito é um Estado constitucional, razão pela qual a Constituição vincula todos os poderes públicos. Havendo, por conseguinte, a supremacia da Constituição.
Como ensina Gomes Canotilho, deduzem-se outros elementos constitutivos do princípio do Estado de Direito, que são: a vinculação do legislador à Constituição, a vinculação de todos os actos do Estado à Constituição, princípio da reserva da Constituição, e a força normativa da Constituição.
1- Vinculação do Legislador à Constituição: todos os actos normativos do Estado devem estar em conformidade com a lei fundamental do país, razão pela qual as leis devem ser feitas pelos órgãos definidos pela Constituição, conforme os procedimentos fixados.
A desconformidade das leis com os princípios e normas constitucionais torna-as inconstitucionais, e portanto, inaplicáveis (art.6.° e n. °2 do art. 226.° da C.R.A.).
2- Vinculação de todos os actos do Estado à Constituição: Este princípio, significa que não são apenas as leis que devem obediência à lei fundamental do país. Todos os actos do Estado, sejam eles políticos, jurisdicionais, administrativos ou legislativos, devem obediência a Constituição, pois, como se determina no n. ° 1 do art. 226.° da C.R.A., “A validade das leis e dos demais actos do Estado, da administração pública e do poder local depende da sua conformidade com a Constituição”.
A vinculação dos actos do Estado com a Constituição refere-se não apenas ao actos, mas também à omissão constitucional (art. 232.°da C.R.A.)
3- Princípio da reserva da Constituição: há determinadas matérias que são da exclusiva competência da lei fundamental e que, por esta razão, não podem ser regulados por legislação ordinária. O princípio da constitucionalidade de restrições e direitos, liberdades e garantias dos cidadãos está consagrado nos artigos 57.° e 58.° da C.R.A.
O artigo 57.° estatui que ” a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos previstos na expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário, proporcional e razoável numa sociedade livre e democrática, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
4- Força normativa da Constituição: O princípio da constitucionalidade funda-se na ideia de que os princípios e normas constitucionais têm prevalência sobre todos os casos do actos do Estado e este deve pautar a sua acção com base no respeito desses postulados (art.6.° e 28.° da C.R.A.).
b) Princípio da juridicidade
Este princípio afirma que as estruturas do poder político, da administração pública e da sociedade devem conformar-se com as medidas do Direito. O Estado de Direito organiza-se e funciona com base no respeito da lei, sendo este princípio aplicável ao poder político, tribunais, Estado e seus agentes, à sociedade, em suma a todas as entidades públicas ou privadas.
O Estado de Direito é um Estado de justiça, onde se devem respeitar os direitos e liberdades de todos, onde deve prevalecer a equidade, a justiça, a igualdade e o respeito pelas minorias.
c) Sistema de direitos fundamentais
Um dos elementos fundamentais de um Estado de Direito é a defesa dos direitos, liberdades e garantias, e o respeito da dignidade da pessoa humana.
1- Direitos, liberdades e garantias
Os direitos fundamentais estão inseridos na C.R.A. no seu título II, que tem como epígrafe os direitos e deveres fundamentais. A Constitucionalização dos direitos fundamentais significa a sua positivação, a sua incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados “naturais” e “inalienáveis” do indivíduo. Essa positivação dos direitos fundamentais torna-os direitos protegidos sob a forma de normas (regras e princípios) do Direito Constitucional.
A inserção dos direitos fundamentais na Constituição faz com que eles sejam analisados em várias dimensões, sejam elas formais ou materiais. Formalmente essa fundamentalidade constitucional tem as seguintes consequências:
– Enquanto normas fundamentais, são normas colocadas num grau superior da ordem jurídica.
– Como normas constitucionais estão submetidas aos processos agravados de revisão constitucional.
– Como normas que incorporam direitos fundamentais, passam, muitas vezes, a constituir limites materiais da própria revisão (art.159.°, alínea b)
– Como normas dotadas de vinculação imediata dos poderes públicos, constituem parâmetros materiais de escolhas, decisões, acções e controlo dos órgãos legislativos administrativos e jurisdicionais.
Já a fundamentalidade material, no dizer do ilustre professor Gomes Canotilho, explica que o conteúdo dos direitos fundamentais é decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado e da sociedade. Ele fornece suporte para:
– A abertura da constitucionalização a outros direitos, também fundamentais, mas não constitucionalizados, isto é, direitos materiais, mas não formalmente fundamentais.
-A aplicação a esses direitos, só materialmente constitucionais, de alguns aspectos do regime jurídico inerente à fundamentalidade formal.
-A abertura a novos direitos fundamentais, daí falar-se, em princípio, em cláusula aberta ou da não tipicidade dos direitos fundamentais.
Aos direitos fundamentais são apontadas as seguintes características:
a) Universalidade: Aplicam-se a todas as pessoas, independentemente de ser ou não nacionais de um país;
b) Historicidade: os direitos fundamentais são produto da evolução histórica;
c) Inalienabilidade: Eles são intransferíveis e inegociáveis;
d) Imprescritibilidade: Não deixam de ser exigíveis por falta de uso nem desaparecem pelo decurso do tempo;
e) Irrenunciabilidade: nenhum ser humano pode renunciar aos seus direitos fundamentais;
f) Inviolabilidade: Não podem deixar de ser exercidos devido a leis infra-constitucionais;
g) Efectividade: Os poderes públicos devem agir no sentido de assegurarem a efectivação dos direitos fundamentais;
h) Complementaridade: Não podem ser interpretados de forma isolada.
Para além dos direitos fundamentais formais, que são os que estão inseridos no texto da Constituição, existem igualmente, outros que são materialmente constitucionais e que, apesar de não estarem no documento formal, têm a mesma força jurídica. É o caso, por exemplo, das normas sobre a nacionalidade, que estão em leis ordinária (Lei da Nacionalidade, n.° 02/16, de 15 de Abril).
d) Princípio da dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade da pessoa humana é estruturante da Constituição e tem um amplo e profundo significado.
Este princípio basilar impõe o reconhecimento a todas as entidades, públicas e privadas, de que o valor da pessoa prevalece sobre todos os demais.
O princípio da dignidade da pessoa humana coloca o indivíduo, a pessoa humana, no centro de toda a vida política, económica e social.
O Estado não é um fim em si mesmo, ele é apenas um instrumento que serve as “pessoas individuais, assegurando e promovendo a dignidade, autonomia, liberdade e bem-estar dessas pessoas concretas”.
d) A separação de poderes
A separação ou divisão de poderes é entendida como um princípio que exige a vinculação dos actos estaduais a uma competência constitucionalmente definida e uma ordenação relativamente separada de funções (separação de poderes e interdependência de funções). É um dos elementos essenciais e característicos de um Estado de Direito.
O princípio da separação de poderes deve ser analisado em várias dimensões, como sejam enquanto limite e controlo do poder e como organização e distribuição de poderes do Estado.
A separação de poderes pressupõe uma forma de limitar o poder dos diversos órgãos do Estado. Assim, os poderes do Estado estão organizados e distribuídos de acordo com as suas funções: legislativo, executivo, jurisdicional e administrativo, simultaneamente cada um deles exerce um controlo dos poderes de outro órgão.
e) Independência dos tribunais, institucional e funcional, e vinculação do juiz à lei
O princípio do Estado de Direito pressupõe a garantia da protecção jurídica e abertura da via judiciária, para se assegurar ao cidadão uma defesa sem lacunas, bem como o princípio da proporcionalidade ou princípio da proibição dos excessos que assegura os limites do Estado em caso de declaração de Estado de Sítio ou de Excepção e na limitação das restrições de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e, finalmente, funciona como um princípio básico das medidas de polícia. Neste último aspecto, este princípio é parte integrante do princípio informador da legalidade da administração.
f) Garantia da administração autónoma local
O Estado de Direito tem como um dos seus elementos a garantia da administração municipal autónoma, que assenta na democracia descentralizada, ou seja, uma democracia assente num poder local autónomo, que assegura a separação territorial de poderes (Estado e poder local) e uma maior participação democrática dos cidadãos no exercício do poder.
1.2. Princípios democráticos
A Constituição da República de Angola, ao abraçar o Estado Democrático de Direito, prescreve como limite ao exercício do poder político a existência de uma legitimidade democrática.
Assim sendo, apenas podem exercer o poder político os que forem eleitos pelos cidadãos através de processos eleitorais livres e periódicos.
O princípio democrático apresenta os seguintes princípios formais caracterizadores:
a) Princípio da soberania popular: A legitimação do domínio político só pode derivar do povo e nunca de qualquer outra entidade;
b) Princípio da representação popular: É feito em nome do povo, por órgãos de soberania do Estado, que há uma derivação directa da legitimação de domínio do princípio de soberania popular e que o exercício do poder tem em vista prosseguir os fins ou interesses do povo;
c) Direito de sufrágio: Manifesta-se no direito de voto para a escolha dos representantes que exercem o poder político.
O sufrágio, nos termos da Constituição (art.3.° da C.R.A.) e da lei, é universal, livre, igual, directo, secreto, e periódico. Vejamos o significado de cada um deste conceitos:
-Princípio da Universalidade do sufrágio: A universalidade do sufrágio significa que o direito de voto é exercido por todos os cidadãos angolanos, exceptuando-se os que não preenchem os requisitos da capacidade previstos na lei.
-Princípio da liberdade de voto: O voto é livre e ninguém é obrigado a exercer o direito de voto.
-Princípio da igualdade do sufrágio: Todos os votos são iguais, tem a mesma eficácia jurídica e o mesmo peso ou significado matemático.
-Princípio da imediaticidade de voto: Este princípio significa que o voto é directo, para que se garanta que o cidadão possa exprimir a sua vontade, sem intervenção de qualquer pessoa.
-Princípio do segredo do voto: O voto é secreto, uma vez que, de acordo com o princípio da liberdade do voto, o eleitor deve manifestar a sua vontade, sem qualquer coacção física ou psicológica de entidades públicas ou privadas, sejam elas partidárias ou não.
-Princípio da periodicidade do voto: Impõe o princípio democrático de que o sufrágio seja periódico e que se verifique a renovação periódica dos cargos políticos.
Nos termos da Constituição Angolana de 2010, o mandato para o cargo de Presidente da República é de cinco (5) anos, podendo o mesmo ser reeleito para mais um mandato consecutivo ou interpelado.
Conclusão
Todo o Estado social Democrático de direito está obrigado à observância dos chamados princípios estruturantes específicamente quando estão em causaa direitos fundamentais.
Como ficou demonstrado na jurisprudência do Tribunal Constitucional Português dos anos de crise, os princípios estruturantes constituem o âmbito nuclear do Direito Constitucional do nosso tempo.
Não é possível, hoje, perceber a estrutura e o funcionamento de um Estado de direito ou dominar a resolução de problemas jurídicos complexos, sem o recurso permanente a tais princípios dir-se-ia, até, não se poder ser um bom jurista na actualidade sem o seu conhecimento aprofundado.
Os princípios estruturantes de Estado de Direito, apresentam maior relevância prática na vida jurídica quotidiana.
Referências Bibliografia
GOUVEIA, Jorge Barcelar – O Constitucionalismo de Angola e sua Constituição de 2010.
Eury Junior; Estado de Necessidade Constitucional como Ratio essendi da suspensão dos direitos, liberdades e garantias. (www.julaw.co.ao)
ARAÚJO, Raúl Carlos Vasques – O Direito Constitucional Angolano. 2ª ed. Luanda, 2018.
Legislações consultadas
Constituição da República de Angola (2010)